O sentido de autoironia ou mesmo de autoparódia é das coisas mais terapêuticas que há.

É quase como se fosse um interruptor que se liga e desliga.

Posso acordar sem vontade nenhuma de me levantar e ir trabalhar mas, mal chego ao estúdio e abro o microfone, percebo, todos os dias, que é dos melhores empregos que se pode ter.

Como humorista, não me convém ter só bom humor. Tenho constatado que o mau humor pode ser ótimo para fazer piadas, porque me deixa mais ácido e sarcástico. Não subestimemos a magia do mau humor! No que toca à vida pessoal, vivo com um notável antídoto contra o mau humor que é a minha mulher.

Não só porque ela tem graça, mas porque tem tão pouca paciência para maus humores que relativiza e me faz ver que as minhas neuras, muitas vezes, são disparatadas. A minha tendência para interpretar tudo o que sinto e o que me rodeia como potencial material de comédia também ajuda a manter-me bem disposto.

Um dia pode estar a correr-me horrivelmente mas, depois de exclamar uns quantos impropérios e de sentir pena de mim próprio, dou por mim a pensar que essa situação ainda vai dar uma boa edição de «O Homem Que Mordeu o Cão» [a rubrica de humor que popularizou Nuno Markl]. Isso sublima as chatices. O meu conselho para que os leitores se riam cada vez mais é simples. Que se riam deles mesmos!

É uma coisa que, por vezes, faz falta aos portugueses. Parece haver um complexo de inferioridade que nos leva a rir mais daquilo que acontece aos outros do que daquilo que nos acontece a nós. Acho que o sentido de autoironia ou mesmo de autoparódia é das coisas mais terapêuticas que há. No meu caso específico, se eu não transformasse tantas das minhas pequenas angústias e misérias pessoais em humor, acho que já teria enlouquecido!

De um modo geral, a minha inspiração para a escrita é fruto de observação. Esta profissão deixou-me viciado em observar e em encontrar o ângulo cómico de quase tudo. Nunca consigo desligar por inteiro em férias. No caso de «O Homem Que Mordeu o Cão», o processo é mais pragmático.

Começo por fazer a ronda das agências noticiosas em busca de notícias estranhas. Depois, uso-as como ponto de partida para falar não apenas delas, mas de coisas que elas inspirem.

Texto: Nuno Markl com Nelma Viana