Jornalista, divulgador de temas históricos, ficcionista, guionista e tradutor, Luís Almeida Martins nasceu em Lisboa em 1949 e licenciou-se pela Faculdade de Letras.

Publicou os primeiros textos no Diário de Lisboa Juvenil e colaborou na Seara Nova, mas a sua estreia profissional deu-se na revista Flama, em 1968, de onde transitou em 1970 para o diário A Capital, onde acompanhou de perto o 25 de abril.

Em 1975, pertenceu ao grupo que criou o semanário O Jornal. Fundou em 1978 a revista História, que dirigiu durante 15 anos. Foi ainda diretor do Se7e e diretor-adjunto do Jornal de Letras, antes de fazer parte, em 1993, do núcleo fundador da revista Visão e integra o seu gabinete editorial. É editor da Visão História e acaba de publicar «365 dias com histórias da História de Portugal» (A Esfera dos Livros).

O seu livro aborda os grandes factos e pequenos episódios que marcaram a História de Portugal. Depois de os compilar para escrever esta obra, como é que avalia a participação, a influência e a contribuição das mulheres ao longo dos tempos? Foram sempre o sexo fraco?

O contributo das mulheres sempre foi grande. Ao contrário do que é costume dizer-se, a mulher nunca foi o sexo fraco. Todos sabemos que ela tem uma capacidade de resistência e de sofrimento (atenção, que isto é uma qualidade!) bastante superior às do seu companheiro dito forte.

Se o papel da mulher ao longo da História tem sido mais apagado do que o do homem, isso deve-se ao facto de os cronistas serem geralmente homens e de estes, por educação e de forma subconsciente, se terem normalmente esquecido, ao longo dois tempos, de olhar para o lado com ais atenção, vendo na mulher mais do que a beleza física e os dotes de administradora doméstica...

Há alguma mulher que considere que tenha tido um papel verdadeiramente decisivo na sua época?

Muitas. Mas o exemplo que ocorre de imediato é o da inglesa Philippa of Lancaster, batizada entre nós de D. Filipa de Lencastre. Esta filha do grande nobre inglês John of Gaunt casou com o rei português D. João I para consolidar a aliança com a Inglaterra e revolucionou por completo os costumes da corte de Lisboa, e por tabela do país.

Digamos que organizou as coisas, introduzindo regras e comportamentos mais habituais nos países do Norte. Foi também uma grande educadora. Mãe dos elementos da chamada Ínclita Geração (Infante D. Henrique, D. Pedro das Sete Partidas, futuro rei D. Duarte, entre outros), lançou as bases para o que viria a ser o período mais pujante e inovador da História de Portugal, aquele que costumamos normalmente designar por época dos Descobrimentos.

O seu livro está também recheado de protagonistas ilustres. Lembra-se de alguns que só o foram porque tiveram grandes mulheres ao seu lado?

O já referido D. João I foi um deles, como vimos. Outro foi D. Dinis, que casou com Isabel de Aragão, a chamada Rainha Santa Isabel. Mas o exemplo mais flagrante é capaz de ser o de D. João IV, o rei da Restauração da independência, em 1640. Foi a mulher, D. Luísa de Gusmão, que o convenceu a aceitar o trono que lhe era proposto pelos conspiradores.

Ao ver as indecisões do marido, que receava incorrer na fúria dos espanhóis e perder os privilégios e riquezas que possuía, fez-lhe a cabeça, como hoje diríamos, afirmando que «antes morrer reinando do que viver servindo». Depois da morte do marido agarrou-se demasiado ao trono, como regente, mas isso é outra história. O livro conta tudo...

Descreve também nesta obra muitas guerras sangrentas e batalhas vitoriosas. À exceção da famosa Padeira de Aljubarrota e da Maria da Fonte, existiram outras mulheres que se destacassem no campo de batalha?

Deu-la-Deu Martins, de Monção, que graças a um estratagema salvou a cidade do cerco castelhano. Mas o campo de batalha das mulher não tem de ser (e normalmente não é) o das espadeiradas. Lembremo-nos das republicanas Ana de Castro Osório e Carolina Beatriz Ângelo, esta a primeira mulher portuguesa a votar, graças também a um estratagema... A voz de Florbela Espanca também foi importante na primeira metade do século XX.

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Muitas mulheres estiveram também envolvidas em conspirações. Qual foi a mais pérfida e perigosa na sua opinião?

Ocorre-nos logo D. Carlota Joaquina, mulher de D. João VI, que serviu por cá os interesses da sua própria família, o ramo espanhol, dos Bourbons, que no início do século XIX conspirou contra o marido, tendo tentado inclusive assassiná-lo.

Outro caso, ocorrido no século XVII, com algumas semelhanças mas levado, se possível, ainda mais ao extremo, foi o de Mademoiselle de Nemours, D. Maria Francisca Isabel de Saboia, rainha de Portugal duas vezes.

Foi casada com D. Afonso VI e depois com o irmão, D. Pedro II, com quem conspirou para o derrube e a queda em desgraça do primeiro marido. Esta história é um autêntico drama shakespeariano, que é pena a generalidade dos portugueses conhecer tão mal.

O seu livro surge organizado por dias temáticos e um deles, a sexta-feira, é dedicado aos segredos de alcova e às histórias de traições e infidelidade de reis e rainhas. Qual foi o episódio que mais o surpreendeu?

Não pode falar-se de surpresas mas penso que é de sublinhar o facto estranho, entre aspas, de D. Afonso IV não ter tido, que se saiba, qualquer amante. Para além de D. Sebastião e do cardeal D. Henrique, é o único rei português nessa situação.

Quais foram os reis mais infiéis? E as rainhas?

D. João V, como é sobejamente conhecido, e D. Dinis, como é bem menos conhecido. Quanto às rainhas, talvez a já referida Carlota Joaquina, que era ninfomaníaca.

Em relação a alguns reis portugueses, já se levantaram dúvidas quanto à sua homossexualidade. Em relação às rainhas, nunca se abordou muito o assunto. O seu livro aborda este tema?

São sugeridas algumas situações no livro...

O seu livro apresenta também mitos, lendas e curiosos mistérios desta pátria. A figura da mulher surge presente em muitos deles ou nem por isso?

Claro que está presente. Sem a presença feminina, essas histórias não teriam graça nenhuma...

Depois deste livro, pensa já num próximo?

Ideias, há muitas, mas cada colsa a seu tempo.

Foto: Gonçalo Rosa da Silva/Visão