Como começou a paixão pela escrita?
A paixão pela escrita começou quando aprendi a ler. Adorava e adoro ler. Lembro-me que na primeira classe quando andava de carro ia sempre a ler em voz alta tudo o que encontrava escrito nos sinais de trânsito, nas paredes, nos anúncios em paragens de autocarro e, por isso, desde muito cedo que comecei a sentir imenso prazer por poder ler. Como lia muito, os livros faziam parte do meu dia a dia, estava sempre à espera de ter um momento para ler e entrar novamente na vida daquelas personagens. Quando acabei de ler os livros velhos que tinha cá por casa passei a adorar todos os da Maria Teresa Maia Gonzalez, a coleção Viagens no Tempo da Ana Maria Magalhães e Isabel Alçada e a coleção de livros de terror Arrepios, que encomendava diretamente à editora por ler demasiado rápido e ter de esperar para ir às livrarias comprar outro. A paixão pela escrita vem da tentativa de imitar aquilo de que gostava. Enquanto a maioria das crianças tenta desenhar os seus personagens preferidos dos desenhos animados ou os seus bonecos eu tentava escrever histórias iguais às que lia.

Sentiste-te diferente por aos 8 anos quereres oferecer um livro escrito por ti à tua mãe?
Senti-me muito bem. Sempre soube que o desenho não era o meu forte, por isso oferecer um desenho à minha mãe estava fora de questão mas queria oferecer-lhe um presente pelo nascimento do meu irmão mais novo. Lembro-me de ter estado a pensar e de pedir ao meu pai cinquenta escudos para comprar um caderno na papelaria da escola. Fui comprá-lo e comecei de imediato a escrever uma história onde arrisquei fazer umas ilustrações, tal e qual como via nos livros que lia. Ainda estive dois ou três dias a escrever intensamente no caderno e depois forrei-o com uma folha de papel A4 branca onde escrevi o título e desenhei a capa. Adorei a importância que a minha mãe deu ao meu presente e senti-me muito bem por isso. Desde aí nunca mais parei de escrever… Mas o momento crucial, em que percebi que era a coisa que mais gostava de fazer, foi quando, com 11 anos, ganhei uma menção honrosa no concurso ‘Uma Aventura Literária 1997’ da Caminho. Tinha participado sem ajuda de ninguém e sem nenhuma correção por parte de um professor, como o regulamento pedia, e fiquei felicíssima quando a minha escola me deu a notícia. Eles estavam muito surpreendidos porque não sabiam de nada e tinham recebido como prémio inúmeros livros. Além de ter recebido um cheque para comprar livros, essa distinção fez com que, a partir desse dia, todos os meus professores, colegas, amigos e família tivessem curiosidade em ler o que escrevia. A partir desse ano participei em todos os concursos literários que encontrava e recebi prémios em todos.

Qual a sensação de receber o 1.º prémio?
Não foi um primeiro prémio, foi uma menção honrosa mas a sensação foi idêntica. É ótimo gostar de fazer uma coisa e as pessoas acharem que somos bons nisso. Para mim o feedback é sempre muito importante porque acho que em qualquer profissão ou área ninguém trabalha só para si, as pessoas gostam sempre de reconhecimento e que o seu trabalho seja elogiado e traga boas opiniões. Na escrita é a mesma coisa. Embora não seja uma atividade tão comercial como é por exemplo a música e a representação, também tem o seu público e acredito que nenhum autor prescinda de várias horas do seu dia a escrever apenas para si mesmo. Há sempre um público em vista a quem se quer agradar, seja ele mais ‘mainstream’ ou especifico mas há sempre essa busca de reconhecimento e de feedback. Portanto para mim o meu trabalho ser premiado entre centenas ou milhares de outros trabalhos é o maior reconhecimento que posso ter e isso só faz com que me tente superar a cada dia.

Como surgiram as primeiras propostas para colaborares com revistas?
A colaboração com a revista ‘Os Meus Livros’ veio na sequência da publicação do livro ‘Eu e o Meu Mundo’. Eles estavam à procura de uma pessoa jovem que gostasse de escrever e ler e que fizesse críticas a livros para adolescentes através de uma visão muito pessoal. Eu aceitei logo o desafio e foi ótimo fazê-lo: primeiro porque era ainda muito nova e foi uma grande escola, segundo porque me dava a possibilidade de ter leitores fixos e terceiro porque tinha acesso a um número muito alto de livros para ler por mês. Desde que comecei a escrever na revista que foram surgindo interesse e convites para outros trabalhos de onde destaco, por exemplo, a escrita do guião para um filme de animação. O projeto acabou por ficar em standby mas aprendi muito e experimentei um novo tipo de escrita de que atualmente também gosto muito.

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Como surgiu a ideia para o livro 'Geração Extreme'?
Estava a fazer o mestrado em comunicação, organização e novas tecnologias da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica e chegou a altura de fazer uma tese. Andei a pensar num tema que fosse giro, que me desse prazer de estudar e escrever e que fosse interessante para as pessoas em geral. Pensei imediatamente nos telemóveis mas não encontrava um fator diferencial e tinha começado a usar o meu telemóvel para apontar durante a noite ideias que tivesse. Uma noite acordei a pensar nos tarifários e como eles eram responsáveis pelo aumento do uso e das possibilidades do telemóvel. Fiz a tese, correu muito bem, e depois achei que tinha chegado a conclusões engraçadas e que valia a pena escrevê-las de uma forma mais soft e dá-las a conhecer a um público mais vasto que apenas o académico. Encontrei a Sílabo e o meu editor Manuel Robalo que me deu toda a liberdade para escrever da forma que eu entendesse e assim foi.

De que forma sentes que fazes parte desta geração?
Nasci entre os anos 80 e 90 como a geração extreme e tenho um uso muito semelhante do telemóvel e das tecnologias. No livro tento demonstrar que esta geração é sobretudo diferente dos seus pais, tios avós e até dos outros nativos digitais. Os seus membros nasceram e cresceram no auge de difusão da internet e do telemóvel, sempre imersos em tecnologias e na era da instantaneidade. É difícil para eles pensar na realidade de forma separada das suas tecnologias pessoais.
Vivemos com informação constante: televisão, internet, telemóvel, redes sociais, os serviços push que têm no telemóvel como os chats, o facebook, o twitter e muitas outras app. Vivemos num mundo descartável, em que tudo fica constantemente desatualizado. É um mundo instantâneo onde se partilha tudo desde informações, a documentos, imagens, música, localização e até aquilo que estão a pensar no momento.
Somos jovens que pensamos de maneira diferente dos pais. Damos primazia ao hemisfério direito do cérebro que é holístico, criativo, empático, pensamos em forma de forma paralela em hipertexto. Um exemplo importante é a forma como hoje lemos e aprendemos. Antes lia-se um livro do início para o fim, da primeira linha para a última, hoje a leitura não é feita assim. Está-se a ler um texto, vê-se um nome do autor e abre-se a sua imagem, a sua biografia, pesquisam-se palavras que não se conhecem, se o texto é complicado encontra-se outro mais fácil de ler.
As famílias estão democratizadas, com uma hierarquia diferente em que os filhos ensinam os pais e avós a mexer nas tecnologias. São famílias em que ambos os pais têm de trabalhar e os miúdos crescem muitas vezes sozinhos, como filhos únicos e com pais divorciados. A sua solidão sempre foi contrariada pelo telemóvel porque lhes permitia estarem acompanhados em qualquer parte. E os amigos através das SMS tornaram-se os irmãos que não tinham, os pais que estavam ausentes, etc. As próprias relações formam-se e desenvolvem-se de forma diferente. É preciso pensar que as pessoas moram cada vez mais longe umas das outras porque os transportes estão melhores, há mais oferta de cursos e instituições e por isso estuda-se em locais diferentes, os jovens vão cada vez mais a viver, estudar e trabalhar para outros países, trabalham-se muitas horas por dia, muitas vezes em vão, e as pessoas ficam com poucas oportunidades para estarem diariamente juntas e passarem tempo de qualidade na companhia umas das outras. Nesse sentido as relações vão sendo mantidas com a mediação tecnológica através da troca de SMS, de chamadas, em conversas em chat’s nos telemóveis, pelas redes sociais, etc. É impensável pensar no mundo atual em termos de relações sem pensar em tecnologia.

Qual a maior vantagem e desvantagem da geração extreme?
A maior desvantagem desta geração são as constantes críticas. É cada vez mais comum ouvir as pessoas perguntarem-se sobre o que vai ser do país quando o futuro são os jovens que catalogam como burros, com falta de cultura geral, violentos e desinteressados. Eu olho para a minha geração e não vejo nada disso. Posso reconhecer adjetivos negativos em muitas pessoas da minha geração mas não acho que isso seja um fenómeno dos jovens. É antes um fenómeno transversal a algumas pessoas de várias faixas etárias. Temos membros desta geração extreme em lugares de topo no mundo tecnológico em Sillicon Valley, em neurociências, portugueses a fazer investigação sobre doenças em universidades da Ivy League, grandes economistas e gestores jovens portugueses por todo o mundo, nomes portugueses de grande importância e relevo no panorama internacional do cinema, da moda e vamos julgar uma geração por vídeos no ‘youtube’ e notícias sensacionalistas? Esta falta de credibilidade é uma das grandes desvantagens da geração extreme. E por outro lado é o facto de viverem num mundo que já usa as tecnologias e as integra na sua vida mas ainda mantém padrões de pensamento de uma lógica anterior, ou seja que ainda está em fase de transição. Por outro lado a grande vantagem é a quantidade de ferramentas que esta geração tem para criar o seu próprio sucesso pessoal. É fácil pensarmos nisto quando olhamos para exemplos de sucesso de outros jovens como o próprio fundador do Facebook, Mark Zuckerberg, cantores como o Justin Bieber ou a Lady Gaga. São pessoas que aproveitaram as ferramentas que tinham à disposição para alcançarem os seus objetivos.

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Recebeste vários elogios ao livro. Qual o sentimento de veres o teu trabalho reconhecido?
Foi muito bom, principalmente porque alguns vieram de pessoas que não me conheciam e que ocupam cargos de grande responsabilidade e conhecimento. Este livro trouxe-me a possibilidade de conhecer pessoas que admiro muito e que me disseram palavras muito simpáticas. Sem querer pôr ninguém de parte, porque todo o tipo de feedback é positivo quando é construtivo, fiquei especialmente feliz pelas palavras do António Carriço da Vodafone Portugal que é uma pessoa excecional que tive o prazer de conhecer.

Dá-te alento para continuar?
Muito. Sem feedback e, por isso, sem leitores não faz sentido escrever. Como disse a escrita é uma construção e um trabalho pessoal de alguém mas esse alguém tem sempre em mente um público mais ou menos vasto. Eu pelo menos não consigo fazer qualquer tipo de trabalho seja na escrita, seja de investigação ou consultoria em que não pense que vá ter um grupo de pessoas interessadas em ler e comentar. Trabalho sempre a pensar num público, seja ele quem for, e por isso dou sempre o meu máximo em tudo aquilo em que me envolvo.

Qual o próximo projeto?
Na escrita tenho dois projetos neste momento: um guião para um programa de televisão em que estou envolvida em várias vertentes, e a escrita de um livro policial que anda a ocupar a minha cabeça há alguns meses. Espero que ambos conheçam a luz do dia durante o próximo ano.

Se não fosses escritora serias o quê?
Não me considero ainda escritora por duas razões: primeiro tenho apenas dois livros publicados e umas dezenas de artigos mas ainda não tenho aquilo a que se pode chamar uma obra e um público fixo para o meu trabalho e infelizmente em Portugal são muito poucos os que vivem da escrita e por isso são escritores de profissão. Lá fora há cada vez mais escritores mas aqui há apenas pessoas que também escrevem a par de outras atividades. Eu escrevo por prazer e não como fonte de rendimento, faço consultoria e investigação na área das novas tecnologias, telecomunicações e comunicação digital e estou neste momento a explorar outra vertente da comunicação de que gosto muito a par da escrita, que espero ter em breve desenvolvimentos.

Por Patrícia de Sá Oliveira