Nasceu em Londres a 23 de agosto de 1986 mas veio para Portugal ainda em criança e estreou-se como atriz em 2004. De opiniões vincadas e seguras, dona de uma beleza estonteante, embora discreta, vai falando sobre o trabalho, os seus ritmos e até sobre a sociedade. Em setembro de 2014 e já em 2015, subiu ao palco para representar a icónica peça «Gata em Telhado de Zinco Quente» que seguiu, depois, numa tournée pelo país. Começou por querer ser cantora, mas foi o palco dos atores que a tomou de conquistas, ainda no tempo do Lycée Français Charles LePierre, em Lisboa. Na altura, frequentava um ateliê de teatro, ao qual tinha ido parar porque quem canta, também precisa de trabalhar o corpo.

Filha de músicos, o pai Pedro Franco Wallenstein é contrabaixista da Orquestra Sinfónica Portuguesa e a mãe, Lúcia de Castro Cardoso de Lemos, cantora lírica, é sobrinha do ator José Wallenstein. Não vivia deslumbrada pelas luzes da fama, como vivem muitos jovens que anseiam pisar palcos ou aparecer em telas de cinema. Com Catarina Wallenstein, tudo se processou de forma natural, quase intuitiva. Foi assim com a música, o canto e a representação. E é também de forma natural que vai falando sobre os palcos e o seu mundo. Para ver a produção de moda que a atriz protagonizou para a Saber Viver, clique aqui.

Estudava música mas acabou por ser atriz…

Foi uma mudança bastante natural. Eu estudava violoncelo e solfejo desde pequenina na Fundação Musical Amigos das Crianças e também cantava. Gostava muito! O coro dessa escola era o coro convidado para fazer as óperas do Teatro São Carlos, então tive, desde pequena, aquele entusiasmo das encenações, das roupas… Como queria ser cantora de ópera, comecei a ter aulas de canto particulares, a partir dos 15 anos.

Aos 16, fui para o ateliê de teatro do liceu francês que frequentava, porque era fundamental para um cantor trabalhar o corpo, a personagem… Acabei por ficar, mas nunca deixei de estudar canto. Aliás, uma das condições quando fui para Paris estudar teatro foi encontrar uma professora de canto com quem gostasse de estudar…

Numa entrevista, há uns tempos, dizia que preferia o cinema. Ainda continua a pensar o mesmo?

Agora, nem sei… Há pouco cinema em Portugal. Tenho saudades de fazer um papel grande, de estar envolvida numa rodagem com muitos dias, dias longos, do jogo com a câmara, que é muito intuitivo. Quando há, matam-se saudades. Quando não há, estou muito feliz a fazer teatro. Teatro e cinema são experiências muito diferentes, dão-me ambas muita alegria. No cinema, há a possibilidade de repetir, mas, no teatro, não há essa defesa… No teatro, ensaiamos e somos nós que controlamos.

Apesar de haver um encenador que nos dirige, quem lá está somos nós. No cinema, o realizador pode montar um take do qual gostamos menos, por isso, há um voto de confiança. A partir do momento que dizem «Corta!», está feito, já não depende de nós. E toda uma equipa pode fazer a diferença, pode ajudar a melhorar. No teatro, é uma coisa mais cega…

Estão mais expostos?

Em ambos estamos expostos, mas de formas diferentes.

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Mas no cinema está projetada num ecrã. Não há o público à frente…

Mas, quando o filme estreia, não sei que cenas é que foram montadas. Tudo está montado quando o público vai ver e esse é outro tipo de exposição. Todo o trabalho de pós-produção, que já não tem a ver connosco, pode melhorar significativamente a nossa cena ou podem ser escolhidos takes em que não nos sentimos confortáveis. Acho que é sempre uma exposição…

Continua com alguma alguma reserva quanto às cenas íntimas?

Como mulher no ano 2014 chateia-me esta sexualidade constante, porque os homens também são seres sexuais e, no entanto, não são permanentemente conotados desta forma tão plástica e tão vazia. Não é uma questão de pudor. O que é que interessa um ser feminino que tem formas arredondadas, harmoniosas, que em cada anúncio de gel de banho já mostra todas as curvas? Não há grande mistério.

Eu tenho um corpo, toda a gente tem um corpo e rabo e maminhas, não é a questão de mostrar, é a questão da utilidade artística e de sentir que não me sinto abusada e que não me estão a vender exclusivamente a partir daí. Não vou ser ingénua ao ponto de achar que isso não vende. Claro que vende! Enquanto as actrizes são novinhas e bonitinhas, querem vender, mas chateia-me esse fascínio. As atrizes são mais do que bonitas. A profundidade dos papéis é que me interessa.

Interpretou a personagem Maggie em «Gata em Telhado de Zinco Quente», que tem uma carga sexual muito forte…

Tem a carga sexual que lhe quisermos dar. A mim, enerva-me… Não vou dizer mal da interpretação das outras pessoas mas não me parece que seja muito contemporânea a ideia de representar a Maggie…

Viu o filme original com Elizabeth Taylor?.

Não vi o filme de propósito. Vi, mais tarde, alguns excertos, sobretudo depois do primeiro ato alinhavado. Não quis estar a construir um papel, ainda que inconscientemente, a partir de ideias já feitas. Os primeiros meses de ensaio decorreram sem eu ver nada e só quase no fim dos ensaios vi alguns excertos. Lá porque uma mulher não tem uma sexualidade ativa, que é a problemática da peça, não tem de se arrastar pelas paredes e agarrar nas maminhas. Chateia-me muito falar com uma voz lânguida. «Coitadinha de mim, porque o meu marido não vai para a cama comigo»…

É uma dimensão da mulher. A ideia de que se não procria não é ninguém. Eu percebo que é uma peça dos anos 50 e é normal que naquela época tivesse essa conotação. E, hoje em dia, a peça pode continuar a ter essa conotação, porque são questões de sobrevivência, de inserção na família, de sucessão, sobretudo agora que as pessoas não se divorciam porque não têm dinheiro. Não têm filhos porque não têm dinheiro… A questão da sobrevivência na família é totalmente de atualidade. Claro que há uma carga sexual porque se fala no assunto, mas não é preciso ser sensualona.

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Mas há ainda muitos tabus sexuais…

Não sei se são tabus se é curiosidade. Hoje em dia é tudo muito mais rápido, mais descartável. Os próprios relacionamentos são mais rápidos. Há pessoas que não se importam com os pelos, com esta coisa de estarmos sempre arranjados. Não temos todas de ser bonequinhas perfeitas, temos de tratar de nós, de ter brio, mas não deixamos de ser consumíveis e perfeitas se estamos um pouco mais gordas. Continuamos a ter os nossos encantos e a nossa humanidade e é isso que me interessa. É normal que o lado da sexualidade esteja muito presente, porque as pessoas atraem-se e aproximam-se…

E se lhe entregassem a interpretação de um filme ou de uma peça nos quais tivesse uma grande exposição, como por exemplo, um filme como «O Último Tango em Paris»?

Não posso aceitar ou não um papel pela exposição. Tenho de saber o que se vai filmar, em que condições, com que atores, com que equipa, qual a luz, qual a ideia, onde é que justificado artisticamente, se a personagem cresce com aquela exposição… Não posso dizer que não só porque vou estar toda nua ou não.

A peça de teatro «Gata em Telhado de Zinco Quente» foi escrita em 1955 e levada a cena originalmente ainda nessa década mas estamos em 2015. A temática continua a ser a dos anos da década de 1950 ou é a dos nossos dias?

O filme é icónico e tem aqueles atores [Paul Newman, a já referida Elizabeth Taylor e Burl Ives nos principais papéis] que marcaram muito esta história. Mas este texto foi escrito para teatro. Passa-se tudo no mesmo décor. O facto de ter sido adaptada a cinema, naquela época, fez com que fosse retirada uma das temáticas principais da peça que é a possibilidade da homossexualidade do Brick [interpretado por Rúben Gomes na peça]. Essa questão foi completamente censurada no filme e foi agora devolvida à peça.

Por outro lado, uma mulher a resolver os assuntos ainda é atual, porque vivemos numa sociedade que é dominada pelos homens, embora isso seja mais um mito do que outra coisa. Mas continua a ser mais difícil ser mulher do que ser homem. A questão da sobrevivência na família, da união e o lidar com uma doença são histórias de hoje em dia. Obviamente que há uma linguagem, um guarda-roupa, a música… É bom relembrar de onde aquilo vem, mas os temas não são datados. Um pai que está a morrer de cancro, um casal que pode não entrar num testamento porque não procria, o lado da herança de um património...

Houve alguma cena particularmente difícil?

Para mim, é uma peça muito irregular. No primeiro ato, estou eu e o Rúben Gomes em palco e praticamente só falo eu, ele responde pouco. É uma cena longa, de quase 40 minutos, sempre a falar. Depois, há cenas muito complicadas, com muita gente a falar ao mesmo tempo, como a festa. O público ouve uma conversa de um casal, depois ouve do outro… É irregular, mas é bom para explorar o meu trabalho enquanto atriz.

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Tem rituais antes de entrar em palco?

Não, de todo. Quer dizer, tenho o ritual de não chegar em cima da hora, para não stressar os outros e para não ficar stressada. Arrumo os meus adereços, verifico se está tudo no lugar, visto-me, maquilho-me, depois aguardo sossegadinha para não estragar a maquilhagem. Há quem fume, quem converse para o lado, quem fique em silêncio absoluto, quem leia o jornal… É preciso aprender, no espaço exíguo que são os camarins, a não entrar no espaço do outro. Aqueço a voz, aqueço o corpo, gosto de ouvir as acústicas dos teatros, porque os espaços são diferentes… É preciso ajustarmo-nos às características de cada um.

Há alguma personagem que gostasse de interpretar?

Não, sou a pior pessoa para responder a essas perguntas.

Pergunto isto porque esta personagem, a Maggie, é muito marcante…

Tenho a alegria de descobrir papéis ou textos ou porque me são entregues ou porque me passam pelas mãos. Mas não me projeto, acho que não é falta de ambição, apenas não funciono assim. É quase como se não sonhasse. Mas acho que com o crescimento da carreira e também com a maturidade, há de haver uma altura em que eu queira fazer o meu próprio projeto ou buscar um encenador para fazer aquela peça. Mas ainda não me sinto pronta para escolher ou decidir, há uma certa imaturidade criativa em que me sinto mais intérprete do que criadora, embora sinta que em cada trabalho conquiste mais espaço para ir procurar e pensar por mim própria.

A experiência ajuda a isso?

A experiência e a intuição. Continuo a ser muito intuitiva e, quando se tem menos medo, arrisca-se mais ou, pelo menos, a intuição é mais certa porque não existem travões ou filtros.

Mas agora tem mais medos?

Tenho menos medo de procurar e de fazer as coisas mal. Não sei se tenho mais medo do público... Dizem que é sempre a piorar. Até agora não o senti, acho que é uma questão de humanidade, o facto de fazermos uma digressão, chegarmos a uma cidade, como Lisboa, onde estão os críticos, onde estão os teus colegas… Há sempre um lado de nervos, mais sinto que estou a ficar mais solta. Tenho medo, claro, mas continuo a arriscar. Não me impede de estar. Não é agrilhoante.

Já foi convidada para fazer uma telenovela?

Já, mas não tenho estado disponível. Tenho alguma dificuldade em imaginar-me a fazer telenovela de dia e teatro à noite, como alguns dos meus colegas fazem. Enquanto puder, não quero estar a fazer duas coisas pela metade, porque também não estou habituada a fazer novela e teria muito a aprender. Já sabemos que, por vezes, estamos muito tempo sem trabalho e depois vem tudo na mesma altura e é preciso conciliar. Por outro lado, estar a fazer uma novela durante oito meses, que é mais ou menos o que demora, implica saber durante demasiado tempo como é que vai a ser a minha vida.

Acho fascinante, porque não sei o que isso é, mas, por outro lado, assusta-me porque se surgir aquele trabalho naquela altura da carreira pode ser difícil apanhá-lo mais tarde. São muitos meses de um contrato em que estão a contar comigo e o não poder ir a Paris fazer um casting, o agarrar uma oportunidade mais curta, mas que está na altura certa, assusta-me. Mas já fiz algumas séries [«Só Gosto de Ti» em 2004, «Conta-me Como Foi» em 2007 e «A Vida Privada de Salazar» em 2009, entre outras] e participações especiais em novelas.

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Os seus pais estão ambos ligados à música, ainda que seja numa área diferente. Alguma vez lhe deram algum conselho?

Não, nem o meu tio Zé [José Wallenstein], que é ator. Nunca foram paternalistas do tipo «Devias fazer assim ou devias fazer assado». Nunca ninguém tentou ocupar-se da minha carreira, digamos assim. Se o meu pai ou a minha mãe ou até o meu irmão me dissessem «Olha, naquela cena estás a falar muito rápido» ou «Porque não te viras só depois da cena?»,  eu ouviria.

Quando estava no ateliê de teatro, foi fazer um casting e acabou por ser escolhida para a série «Só Gosto de Ti» em 2004...

Já tinha decidido que ia ser atriz, já tinha dito que ia para Conservatório. Na altura, estavam à procura de uma pessoa para fazer de filha do meu tio Zé e ele sabia que eu queria ser atriz e falou de mim à produção, que me convocou para um casting. Fiz duas ou três voltas e fui escolhida. Estava no 12º ano. Tinha 16 anos.

Vivia deslumbrada com a profissão, como acontece com muitos jovens que querem ser atores ou atrizes?

Não sabem onde é que se estão a meter. [risos] O deslumbramento foi prático. No primeiro ano, nem sequer pensava «Ai, que giro fazer teatro!». No segundo ano, lembro-me de que fazíamos duas representações no Instituto Franco-Português e eu estava super entusiasmada. Era um papel difícil em «O Equívoco de Camus» e tinha de dizer a mesma coisa por palavras diferentes e ou arranjava muitas cores ou estava sempre no mesmo registo. Lembro-me de a minha mãe me ter dito, no final do primeiro dia «Sabes o que era giro? Era deixá-la crescer».

«Não estar sempre com aquela cor, em vez de estar sempre ali. Podes fazer variações e não tenhas medo das incoerências do ser humano. É assim que ele é. Se ela está numa fase muito contente, não impede que esteja muito zangada a seguir, e podias começar a explorar essas cores». No dia seguinte, fui para o palco com o teatro do liceu, onde havia espaço para experimentar essas coisas e lembro-me da curtição de descobrir isso, o poder que se tem no moldar de uma personagem. Foi por causa desse espetáculo que me lembro de decidir que queria ser atriz. Posso ser quem eu quiser, é uma questão de incentivar e de curtir.

E isso continua a ser um desafio?

Hoje só gosto de incoerência. [risos]

Em tudo?

Em tudo, é a nossa essência, não vale a pena inventar…

A peça «Gata em Telhado de Zinco Quente» andou em digressão. O que é mais aborrecido quando se anda pelo país?

Ir daqui a Vila Real fazer um espetáculo e depois, no próprio dia, desmontarmos tudo e irmos dormir no local onde vamos fazer o espetáculo da noite seguinte é uma estica. Mas faz parte! Não me incomoda particularmente. É uma rotina.

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Liga a rotinas? Porque há pouco falava de não trabalhar durante muito tempo num sítio…

Nunca vivi assim. Só quando estava no liceu ou na faculdade. De resto, fui crescendo neste meio que é incerto. Às vezes, é a maior das angústias, porque posso não ter trabalho durante algum tempo mas, depois, o universo lá se organiza e cai alguma coisa que nos ajuda. Porque também se cresce e não se quer depender de ninguém. Às vezes, custa-me organizar a minha vida, porque não tenho rotinas. Gostava de recuperar o lado bom da rotina, o lado saudável, que nos sossega, que nos conecta…

Tem preocupações sociais? Porque as gerações mais novas parecem um pouco desligadas…

Acho que há uma falta de vínculo. Quando estava a estudar em Paris, num domingo, quis organizar um brunch e os meus amigos reponderam-me «Não posso, tenho de ir a sede do meu partido. É domingo, tenho de saber o que se passa no meu arrondissment [freguesia]» e eu fiquei muito bem impressionada com aquela vontade de querer saber o que se estava a passar, o procurar saber quem é que faz o quê… Estão ativamente envolvidos na sua sociedade, são participativos e, mesmo assim, já se queixam de que são uma geração muito pouco politizada e eu respondia-lhes «Haviam de ver o que se passa em Portugal»…

Mas olha para o nosso país e sente esperança?

Sinto! É um país, em termos de recursos humanos, muito bom. Há pessoas muito válidas, empreendedores, com vontade de fazer coisas, com paixão. Pessoas criativas, com ideias do nada, mas também só se fala delas quando vão para fora. Se não tiver trabalho, tenho dois braços, vou fazer qualquer coisa. Lá fora, há outra capacidade de trabalho, sujeitamo-nos a outras coisas, porque ninguém nos conhece.

O que interessa é fazermos o nosso caminho e sermos responsáveis, sermos independentes que é isso que nos deixa orgulhosos. Há esperança? Há, mas ainda não estamos numa fase de responsabilização. Estamos numa fase de queixume, ainda. A minha essência diz-me que a vida não é para ser fácil sempre, mas temos de ser nós a fazer alguma coisa.

Texto: Helena Ales Pereira