Diz-se que existem lá fantasmas mas, na realidade, nunca ninguém os viu. A casa apalaçada do século XVII onde hoje funciona a Posada La Sacristía, na província de Cádis, em Tarifa, no sul de Espanha, depois de deixar de ser habitada, foi em tempos uma cantina e uma adega e, mais tarde, um ponto de paragem dos costaleros ou costales, os peregrinos que percorriam as estradas daquela região durante o período da semana santa. Hoje, é um dos pequenos hotéis de charme mais afamados daquela zona, albergando também uma loja e um bar, muito procurados pelos turistas que visitam a localidade.

Nos últimos anos, depois do êxito inicial, a pousada foi perdendo clientes, uma situação que as obras de melhoria e transformação levadas a cabo recentemente vieram inverter. Tal como antigamente, o pátio típico andaluz, com influências árabes, é o ponto nevrálgico desta unidade hoteleira. As colunas romanas que o decoram ainda são as originais. Ao lado da receção, decorada com candeeiros sírios e peças de artesanato tailandesas, a sala que recebe os convidados e onde se pode desgustar um café ou tomar o pequeno-almoço, esconde ainda outro segredo.

Uma lareira quase impercetível que, no inverno, obriga a direção do hotel a transferir a pequena boutique de roupa, acessórios e artesanato, a Art Lounge Boutique, que funciona no local para uma outra área da divisão, que também acolhe regularmente pequenos concertos, exposições e eventos culturais, organizados paredes-meias com o bar e o restaurante da unidade hoteleira, muito conhecidos por aquelas paragens. «Este hotel tem muitos segredos. Cabe ao hóspede desvendá-los», defende mesmo Serafín Sánchez Carrasco, gerente da pousada desde janeiro de 2013.

Muito antes de ser um boutique hotel de charme, «seleto e chique», como o descrevem alguns documentos promocionais, La Sacristía foi também, numa fase de decadência de tempos idos, um estábulo, um armazém e um bar. Esse passado boémio e degradante numa das artérias mais antigas de Tarifa terminou em definitivo quando Bosco Herrero e Miguel Arregui, desenhadores de profissão, adquiriram o edifício de 300 anos e o transformaram numa unidade hoteleira requintada, dotada do conforto que o século XXI exige. Findas as intervenções de limpeza e conservação, a dupla apostou em mobiliário elegante e em peças de inspiração étnica para criar uma atmosfera sofisticada mas despretenciosa.

Apesar do nome e das suas muitas utilizações anteriores, o edifício que alberga La Sacristía nunca foi uma casa ou dependência contígua à igreja onde se guardam os paramentos sacerdotais e os utensílios do culto e onde os sacerdotes se preparam para a missa. O cariz católico e religioso que marca muitas das pequenas localidades da Andaluzia nem sequer se nota da decoração da pousada, que conta apenas com 10 quartos, amplos e sedutores. Os do primeiro andar exibem uma decoração de inspiração oriental com uma atmosfera exótica, mas nada espanhola.

O facto de Miguel Arregui ter vivido na Tailândia durante vários anos influenciou decisivamente a decoração do hotel que, pela proximidade com o território marroquino e pelo passado histórico entre os dois países, também foi lá beber alguma inspiração. Além de usufruir do descanso e do conforto dos quartos durante a estadia, um dos pontos altos de pernoitar neste cenário encantador é o fabuloso pequeno-almoço com que os hóspedes são brindados. Muitos optam mesmo por tomá-lo nas mesas do pátio interior, debaixo dos deslumbrantes arcos andaluzes que resistiram ao passar dos tempos.

À fúria devastadora dos anos resistiu também um espaço contíguo à pousada, propriedade dos donos deste boutique hotel na verdadeira aceção da palavra, um apartamento onde estes recebem convidados e amigos e, excecionalmente, alguns hóspedes. Esta divisão ampla, suportada por largos pilares, com uma área de estar junto à porta de entrada é outro dos segredos que La Sacristía esconde. E também aqui a influência tailandesa se volta a fazer sentir. Em frente à cama king size, um altar com a imagem de Buda, forrado a azulejos com motivos árabes, confere um misticismo especial à divisão.

Luzes embutidas em espaços abertos na parede, peças de olaria estrategicamente posicionadas, candeeiros de mesa de cabeceira que descem do teto como se fossem um serpenteante tubo esguio e painéis de pintura japonesa com inscrições de caracteres em bambu completam o apuro estético da decoração, sublimado pela cabeceira da cama em tecido, presa a uma peça comprida de madeira trabalhada, presa à parede. Uma peça de um bom gosto extremo importada diretamente de Bali. As mesas de cabeceira de estilo japonês seguem a mesma linha decorativa oriental do edifício principal da pousada.

Entre o quarto e área de higiene, uma coluna esconde um lavatório com um espelho com uma moldura antiga sobre o lavatório, de onde pendem toalhas com o monograma de La Sacristía, um símbolo de requinte que os lençois também ostentam. No centro do espaço ocupado pela casa de banho, uma banheira moderna a imitar as antigas confere ainda maior distinção e sedução ao quarto. Mas os adeptos de banhos mais rápidos podem optar pela cabine de duche envidraçada que preenche, de forma muito discreta e quase impercetível, um dos cantos da habitação.

Noutro dos (re)cantos, uma cortina comprida esconde um armário com um bar. É outro dos (muitos) segredos escondidos da divisão. Um anjo em terracota e os mosaicos árabes que não devem andar muito longe dos que existiam originalmente no edifício são outros dos encantos da suite da pequena cidade, que começa a viver cedo e impõe desde logo a sua presença. Aos passos apressados na rua, junta-se o soar dos sinos da igreja e os cumprimentos matinais dos vizinhos, que rapidamente se transformam em conversas mais excitadas. A vontade de sair para a rua invade-nos.

Embora não tenha propriamente a ambição de se converter num hotel com spa, La Sacristía está dotado de uma sauna e sala e de uma pequena sala de musculação. Mas quem visita Tarifa não pretende propriamente passar muito tempo no hotel. Além das muitas praias que existem nos arredores, muitas delas quase desertas, os turistas têm inúmeras atividades desportivas à disposição. O clima ventoso da região fez da localidade ponto de paragem obrigatório de praticantes de surf e kitsurf de todo o mundo.

Não os encontra, todavia, no areal, localizado a apenas cerca de 200 metros do porto e do centro de Tarifa. Na receção do hotel, pode ainda reservar aulas de windsurf, passeios a cavalo no campo e/ou na praia e até deslocações aos parques naturais da região, onde abundam aves e vegetação de uma beleza surpreendente, a par de roteiros culturais e gastronómicos, aluguer de bicicletas e passeios de moto-quatro. Outra das atividades turísticas mais marcantes daquela área é a observação de baleias e golfinhos no Estreito de Gibraltar. As excursões duram, em média, cerca de duas horas.

Das sete espécies que geralmente são avistadas, quatro são residentes permanentes na zona, como é o caso do golfinho-comum-de-bico-curto,do golfinho-listrado, do golfinho-roaz e da impressionante baleia-piloto-de-aleta-longa, mas também podem ser vistos exemplares de três espécies migratórias, como a orca, o cachalote e o rorqual-comum. Depende também da hora do dia, do estado do tempo e da sorte…

Se não quiser ir tão longe, deixe-se deambular e perder nas ruas de Tarifa e nas suas pitorescas lojas. Prove as delícias gastronómicas da região e relaxe, ao final do dia, com uma massagem no hotel, que disponibiliza rituais de relaxamento e/ou de correção postural com pedras quentes ou de inspiração aurvédica. Termine o dia com uma refeição no restaurante da pousada, que serve uma cozinha mediterrânea de fusão com a assinatura do chef Rodrigo Montes, uma das referências gastronómicas da região.

Texto: Luis Batista Gonçalves