Serenidade. Pudesse a paisagem perceber os humores humanos e com eles dialogar seria este um bom termo para lhe transmitir por palavra o que a presente conjugação de céu e de planície produz no visitante. Há placidez neste verdejante nordeste alentejano, já desafogado dos calores do verão, arrepiado pelo vento frio. Sobreiros, azinheiras e oliveiras não são impedimento para se alcançar a linha do horizonte. Nesta, avultam as alturas da serra d´Ossa e o morro isolado que serve de colo à fortaleza de Evoramonte. Entramos na aldeia do Freixo, concelho de Redondo. Preparamo-nos para visitar uma singularidade, não apenas nestas terras a sul como em todo o mundo.

Uma singularidade que nasce da própria identidade da região. O Alentejo tem uma personalidade forte, vincada pelo clima duro, por ser terra de privações, mas também por congeminar alguns dos traços culturais mais marcantes portugueses entre eles a mesa e os vinhos. Pois esta peculiaridade fincada em terras alentejanas nasce do amor ao território e aos vinhos. Alguns até lhe poderão chamar excentricidade. Mas o que Pedro de Vasconcellos e Souza, administrador e enólogo da Quinta do Freixo concebeu e implantou na região é um projeto vínico que interpreta o território.

Entramos na Herdade do Freixo com uma ideia fixa. A partir da estrada alongamos a vista e tentamos descortinar onde está o objeto desta visita que nos fez percorrer 200 quilómetros desde a capital. Tarefa inglória. O arquiteto Frederico Valssassina conseguiu o seu primeiro propósito, esconder na planície uma adega com milhares de metros quadrados. A estrutura imiscui-se 40 metros abaixo do solo, esgueira-se sob as vinhas e, aí, onde não perturba a paisagem, revela o seu design arrojado, assente em linhas “limpas” e cruas e com decoração entregue a materiais rústicos, a madeira de carvalho e o xisto. Já lá vamos.

Há perto de 11 anos, no decorrer de um jantar nasciam os fundamentos desta casa. Pedro de Vasconcellos e Souza sentava-se à mesa com um grupo de amigos. Entre eles reuniu-se o investimento necessário para arrancar com o projeto. Trezentos hectares de uma propriedade pertença da família Vasconcellos e Souza entraram na sociedade. Na Quinta do Freixo foi instalada a adega e plantados de raiz 26 hectares de vinha. Um dos objetivos, produzir vinhos que procuram a matriz dos néctares alentejanos, com estrutura, e corpo cheio. Neste caso, com um outro propósito, acrescentar-lhes frescura, mineralidade, elegância e boa evolução com o tempo.

herdade do freixo
A enorme espiral que acompanha todo o núcleo da estrutura. Fernando Guerra

É Carolina Tomé, diretora de marketing e vendas, que nos recebe em pleno campo alentejano onde não falta um coro de pios das avezitas alvoraçadas. Carolina faz-nos as honras da casa e explica-nos o que leva alguém a investir mais de dez milhões de euros numa adega para criar e cuidar vinhos, neste caso três referências, o Freixo Reserva branco, o Freixo Reserva tinto e o Freixo Family Collection tinto, o topo de gama da Herdade do Freixo. “Este é um projeto que rasga com os conceitos usuais de adega. Contudo, dada a grande ligação de Pedro de Vasconcellos e Souza ao Alentejo e à natureza, o projeto teria de estar em comunhão com estes. Acresce que se pretendiam vinhos com um carácter diferenciador”.

Vinhos com uma identidade muito própria o que equivale dizer pensados antes e no momento em que se plantou a vinha. Como nos diz Carolina Tomé: “procurámos castas que potenciam frescura, mineralidade, elegância e boa evolução com o tempo, ou seja, vinhos com potencial de guarda. Isto sem desmerecer no carácter dos vinhos Alentejanos”. Nos brancos encontramos, entre outras castas, a Arinto, Sauvignon Blanc, Alvarinho, Chardonnay, Riesling. No que respeita aos tintos, a Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon, Alicante Bouschet, Petit Verdot e Syrah.

Herdade do Freixo
O processo de vinificação faz-se em modernos equipamentos e no patamar mais profundo da adega. Opera a gravidade na produção do vinho. Fernando Guerra

No intimo do Alentejo

Esta planície engana. Estamos, na realidade a 450 metros acima do nível do mar. “Uma altitude que propicia noites frescas no mês que antecede a vindima, uma vantagem para uma longa e correta maturação das uvas”, explica-nos a diretora de marketing da Herdade do Freixo. Percorremos, agora, uma parte das vinhas com sete anos. Descansam após o afã da vindima ainda recente. Ganharam o tom quente do outono, espraiam-se em fiadas paralelas no terreno xistoso. Em torno juntam-se pequenos bosques de azinheiras, sobreiros e oliveiras, algumas com mil anos e com boa capacidade para a produção de azeitona e de azeite. Um ecossistema rico que, de acordo com a nossa interlocutora, “pode vir a tornar-se não só num destino de eleição do enoturismo mundial, mas também da arquitetura e ecoturismo. Pensamos implantar condições para a ornitologia. A propriedade nunca foi explorada o que propiciou uma fauna e flora preservadas. Por exemplo, temos, aqui, a Cegonha Negra”.

herdade do freixo
Há sete anos foram plantados 26 hectares de vinha. Em 2017 perspectiva-se a plantação de mais nove hectares. créditos: Manuel Gomes da Costa

Peguemos numa enorme estrutura, tão alta como um edifício de dez andares. Finquemo-la na planície alentejana e obtemos um enorme desastre paisagístico. Agora, peguemos nessa mesma estrutura, enchendo-a de luz natural, leveza e fluidez de formas e enterremo-la até 40 metros abaixo da superfície. O que obtemos? Uma adega que se comporta como uma pessoa rica e diversa sob a camada exterior de discrição. Neste caso, um edifício que nos obriga a uma viagem de circum-navegação em torno do seu centro. Descendo sempre e onde cada passo ecoa como um clamor de catedral. Quem conhece ou já visitou o Museu Guggenheim, em Nova Iorque, fará o paralelismo. Uma enorme espiral que obsta à utilização de escadas e que transporta o visitante a todos os espaços da estrutura. Na Adega da Herdade do Freixo o encontro com o vinho faz-se num ambiente que os néctares gostam: estável, calmo, quanto baste de luz e com temperatura controlada. Estamos no Alentejo território dado a grandes amplitudes térmicas.

Na próxima página desça connosco a 40 metros de profundidade.

A descida até ao âmago da estrutura, à sala onde se perfilam 89 barricas de madeiras novas, obedece a um ritual de paragens. Detemo-nos na loja e sala de provas, divisão que confina com um jardim interior. Juntamo-nos a Pedro de Vasconcellos e Souza que nos convida para harmonizar os seus vinhos com queijos e enchidos alentejanos. Estamos, na realidade, a pôr a prova a resistência destes vinhos a sabores fortes, como o faremos mais tarde, à mesa da sala de refeições com uma sopa de cogumelos, um prato de caça e uma sobremesa com marmelo. Prova superada, os três néctares convivem bem com esta mesa de sabores intensos e à primeira vista incompatíveis (no caso do marmelo) com o vinho. Um branco (13,5%) complexo, onde se sente o toque da madeira, “meloso, equilibrado e com um final fresco e persistente” como confirmamos na nota técnica que acompanha o vinho. Já o Freixo tinto Reserva 2014 (14,5%), fresco e harmonioso, de taninos densos, estagiou 12 meses em barricas de carvalho francês. Somaram-se seis meses em garrafa. Um bom vinho de guarda como também o é o topo de gama da Herdade, o Freixo Family Collection tinto 2014 (14,5%). Dele só foram produzidas 6.600 garrafas. Teve um estágio de 14 meses em barricas novas e oito meses em garrafa.

Um rótulo com preceitos do século XIX

Na conceção dos rótulos houve mão internacional. Foi feito um desafio a um mestre gravador inglês Christopher Wormell (o mesmo que desenhou o brasão do Royal House of Opera), reproduzir o brasão do Conde de Palma. Um trabalho artesanal que obrigou à utilização de ferramentas e técnicas do século XIX. Um labor estampado nas perto das 54 mil garrafas (na primeira campanha) e com um portefólio que se completa com os Freixo Reserva tinto 2014, Freixo Reserva branco 2015, Freixo Reserva Branco 2016, o Freixo Reserva Family Collection tinto 2014, o Freixo Chardonnay 2016, em garrafas de 0,75 cl.

herdade do freixo
O projeto arquitetónico foi entregue a Frederico Valssassina. créditos: Fernando Guerra

Com as palavras do administrador corroboramos o que já percebemos: “quisemos trazer um projeto sustentável para o Alentejo e com grande respeito pelo meio. Esta estrutura é autossuficiente em termos energéticos, temos um sistema de tratamento de água e reutilização para a adega e rega das vinhas. A equipa do arquiteto Frederico Valssassina soube interpretar na perfeição o nosso objetivo”, sublinha Pedro de Vasconcellos.

Continuamos a viagem ao coração da Adega, ao íntimo do solo Alentejano. A luz natural acompanha-nos sempre. “É engenhosa a forma como a luz solar chega desde as alturas. Uma enorme claraboia fincada no topo da estrutura. Lá no alto, a quase 40 metros, vemos o desfile de nuvens estampadas no céu azul. Toda a estrutura subterrânea recebe estes focos de luz natural a partir de aberturas estrategicamente colocadas à superfície. De fora, olhando-as, assemelham-se a enormes chaminés alentejanas irrompendo da vinha.

No Alentejo há uma adega única no mundo, construída a 40 metros de profundidade
Freixo tinto Reserva 2014 (14,5%), fresco e harmonioso, de taninos densos, estagiou 12 meses em barricas de carvalho francês. Somaram-se seis meses em garrafa. Um bom vinho de guarda como também o é o topo de gama da Herdade, o Freixo Family Collection tinto 2014 (14,5%). Dele só foram produzidas 6.600 garrafas. Teve um estágio de 14 meses em barricas novas e oito meses em garrafa.

Tocamos no fundo da Adega. Aqui, a zona técnica e a sala onde descansa o vinho da nova safra. Terminada a vindima, ficou para trás o bulício de levar da vinha à garrafa uma campanha vínica. Quem por setembro visitar a adega pode acompanhar todo o processo de produção. A seleção das uvas por casta, a vinificação por gravidade, ou seja, beneficiando da profundidade da estrutura, sem recurso a pressões ou bombagens. Nos lagares a pisa é suave e longa, executada com recurso a um robot. O mosto de branco previamente desengaçado escorre suavemente para uma prensa pneumática com total ausência de oxigénio, inviabilizando qualquer possibilidade de oxidação. Segue-se a fermentação, longa, com recurso, em função da casta, a cubas abertas, cubas fechadas e balseiros em madeira de carvalho francês.

Herdade do Freixo
A 40 metros de profundidade repousam 89 barricas de carvalho francês. créditos: Fernando Guerra

“A adega tem capacidade para acolher 300 mil litros de vinho”, refere Pedro de Vasconcellos e Souza. Encontramo-nos na ampla sala que faz guarda de 89 barricas de madeira nova. Impera um silêncio solene num espaço onde não passa despercebido o enorme monólito rochoso incrustado na parede. Melhor dizendo, a parede é que se adaptou ao que a geologia congeminou há milhões de anos. O vinho descansa em tonéis de 225 litros. “As barricas foram produzidas pelo melhor construtor mundial”, afiança o administrador da Herdade do Freixo. Não há duas barricas iguais, porque a própria madeira, a tosta, não são iguais. Cada uma foi pensada para acolher uma casta, com ela casar e engendrar o vinho que iremos beber dentro de alguns meses.

Para março de 2017 o produtor prevê lançar os primeiros monovarietais brancos: Freixo Sauvignon Blanc e Freixo Chardonnay. Ainda no próximo ano está projetada a plantação de mais nove hectares de vinha.

Visitas à adega:

11h30 e 15h00 de segunda a sexta (de 1 de Outubro a 30 de Abril);

10h00 e 16h30 de segunda a sexta (de 1 de Maio a 31 de Setembro);

Sábado: com marcação prévia e 25% de pré-pagamento;

Reservas com refeições e/ou tábua de enchidos: com aviso prévio e 50% de pré‐ pagamento;

Encerra aos domingos, feriados e nos dias 24 e 31 de dezembro e 2 de janeiro, com exceção de eventos pré-reservados.

Horário da loja:

Das 10h00 às 17h00 de segunda a sexta;

Encerra aos sábados, domingos, feriados e nos dias 24 e 31 de dezembro e 2 de janeiro

Mais informações: email: freixo@herdadedofreixo.pt Tel. 266 094 830