Parti para a Ilha de São Miguel, nos Açores, com três expetativas. Passear pela Lagoa do Fogo e pela Lagoa das Sete Cidades e ver e fotografar a famosa Victoria Cruziana do Parque Terra Nostra. Todas as alturas são boas para (re)descobrir este destino mas a vantagem de ir aos Açores no mês de agosto é que, embora sem camélias, azáleas ou as maravilhosas cores da vegetação no outono, ainda se encontram as estradas repletas de hortênsias azuis (Hydrangea) e o clima é mais generoso permitindo uma maior visibilidade das quase sempre enevoadas lagoas.

Encontrei uns Açores muito diferentes dos da última vez que lá fui. Há um ambiente de otimismo e animação com o súbito aparecimento de milhares de novos turistas que agora visitam as ilhas graças ao surgimento dos voos low-cost em 2015. Com restaurantes e hotéis cheios a abarrotar e sem carros disponíveis para aluguer, São Miguel ganhou uma vida nova. E eu, também feliz, porque, finalmente, consegui visitar as magníficas lagoas sem nebulosidade.

Cheguei ao Parque Terra Nostra pelas duas da tarde com a promessa de que a Carina Costa, filha do senhor Fernando, o responsável pela manutenção do local, me iria fazer uma visita guiada e ter a paciência de responder a todas as minhas questões. O primeiro proprietário do parque foi um americano, Thomas Hickling, que nele construiu a sua residência de verão, conhecida por Yankee Hall, na segunda metade do século XVIII. Veja a galeria de imagens com as belezas naturais do parque.

Testemunho vivo do gosto pela jardinagem

Cerca de 100 anos mais tarde, o parque passa para as mãos do Visconde da Praia, que, amante da jardinagem, o ampliou e nele mandou plantar inúmeras espécies exóticas, no que foi seguido pelos seus descendentes, que continuaram até finais do século XIX a introduzir novidades no seu traçado, acrescentando uma serpentina de água, várias grutas ao gosto romântico e alguns edificados entre os quais um obelisco, um templete neo-clássico, pontes e outros elementos decorativos.

Em 1935 passa a ser Vasco Bensaúde quem lhe vai dar uma nova vida construindo um hotel, criando um tanque termal, desenhando novas alamedas e introduzindo coleções de plantas. Nunca mais tendo saído da posse da família Bensaúde, o parque atual é um testemunho vivo de um gosto pela jardinagem e de uma cultura familiar que tem permitido introduzir algumas alterações à composição inicial, mas sempre no sentido de melhoramentos, sem estragar o traçado histórico do local.

Para se percorrer o parque na sua totalidade e apreciar todos os seus elementos, há que contar com umas boas três horas. Foi o tempo que lá passei e soube-me a pouco. Embora no verão haja muitos visitantes, a dimensão do parque e os seus percursos sinuosos permitem um passeio intimista em que como ruído de fundo só temos o murmúrio dos cursos de água e o chilrear dos milhares de pássaros que lá habitam.

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As (outras) atrações a visitar no Parque Terra Nostra

Logo à entrada, deparamos com o enorme Tanque de Água Termal, emoldurado por araucárias e encimado pela Casa do Parque, onde se podem organizar jantares ou festas com um cenário de sonho. A serpentina de água que percorre todo o parque é um bom ponto de referência se queremos andar sem ter que consultar o mapa dos percursos. Tirando a avenida das palmeiras e a avenida das ginko biloba, todos os caminhos são estreitos e curvos, o que nos permite observar os vários pontos do parque sob ângulos diferentes.

O senhor Fernando, que me acompanha nesta visita, é também o autor de vários dos seus pontos emblemáticos, como o recente vale das cycas, com cerca de 55 diferentes espécies desta família, o jardim dos fetos e o colorido jardim das flores, a cargo da Carina e no qual podemos admirar de uma plataforma elevada os variados tabuleiros retangulares de canteiros, o único apontamento de jardim formal do parque. Em fase de experimentação, estava, na altura, a recente coleção de bromeliáceas e um recanto dedicado aos bambús que fez as minhas delícias.

O que me vai levar a repetir brevemente a visita ao Terra Nostra por alturas do fim do inverno é a famosa coleção de camélias (reticulata, japonica e híbridas) com mais de 600 exemplares, quase todos devidamente identificados. Pelo que me contam, são um espetáculo maravilhoso quando se encontram em flor. Em todo o passeio pelo parque não vi sinais de desmazelo na manutenção, o que é notável se atendermos a que tem apenas 12 jardineiros para 12,5 hectares de área.

«Podia estar melhor», dizia-me o senhor Fernando, mas nós, os que jardinamos, bem sabemos que um jardim é um work in progresso, um trabalho que nunca mais acaba, que aos nossos olhos nunca está impecável. Para qualquer visitante o Parque Terra nostra está uma perfeição.

Em busca da Victoria cruziana

À direita da bilheteira, encontramos os laguinhos onde está a magnífica Victoria cruziana. A victoria é uma lindíssima flor, da família das Nymphaeaceae , de vida efémera, pois não dura mais do que 48 horas, e que apenas abre a flor ao anoitecer. Na primeira noite, floresce com cor branca e, na segunda, a sua última, o branco tinge-se de um cor de rosa forte e a flor exala um aroma que atrai os insetos polinizadores.

Os seus rizomas aquáticos suportam umas enormes folhas redondas em forma de tarte que podem atingir mais de 1,20 metros de diâmetro. Para conseguir admirar a Victoria em todo o seu esplendor tive que me deslocar ao parque por três vezes. A seguir ao almoço, no início da visita. Depois, às 22h00, na companhia do senhor Fernando e da Carina e às 8h00 do dia seguinte para apanhar as flores ainda abertas mas já com a luz do dia. Nessa manhã, a minha última em São Miguel, chovia.

Texto: Vera Nobre da Costa com Parque Terra Nostra (fotografia)