Gafanha da Vagueira: Entre a ria e o paraíso
créditos: Miguel Ribeiro Fernandes

Quando chegamos somos facilmente enganados. A Gafanha da Vagueira parece, à primeira vista, mais uma simples vila de Portugal. Rapidamente compreendemos o erro. Somos guiados por José Giro, proprietário da farmácia com o mesmo nome, a viver aqui há 25 anos. É ele quem nos abre as portas da Natureza de par em par, como se a terra, o verde, a ria e o oceano fossem seus. Uma atitude típica de uma gente habituada ao trabalho árduo, seja na terra, seja no mar.

Há quem saia para a pesca todos os dias. Duas, três, às vezes quatro vezes por dia. Encontram-se às 4h da manhã e pescam mediante a tradicional arte xávega, com os seus barcos altivos, de madeira e cores fortes, azul e vermelho principalmente. As redes puxam os cardumes, antigamente com a ajuda de bois, hoje com tratores aliados à força braçal de quem construiu sobre este trabalho a sua vida. Uma mão cheia de homens no meio do oceano, a contar com as poucas ferramentas de que dispõem, aliadas ao conhecimento milenar sobre os humores do mar e os seus indícios.

Quando voltam, convidam-nos para a mesa do almoço. «Caldeirada de peixe feita a rigor!», prometem. E cumprem! Uma mesa longa acolhe várias gerações de pescadores, famílias inteiras ligadas ao mar.

Dos surfistas aos estudantes do Erasmus

Depois partimos para o outro lado da praia, onde encontramos surfistas, banhistas, um bar de madeira cheio de boas energias e a garantia de que, exceto durante o mês de agosto, haverá sempre lugar para estender uma toalha sem esbarrar com os pés do vizinho da frente.

Por isso, é visita privilegiada de jovens e amantes dos desportos aquáticos e radicais. «Nos últimos anos, abriram aqui algumas surf houses», conta José Giro, garantindo que a Vagueira é também palco para a vida estudantil de quem vive ali ou de quem chega, oriundo de outros países, à boleia do programa Erasmus. Mudanças que impactam no dia-a-dia da Vagueira: «Apesar de continuar a ser uma vila tranquila, a verdade é que trouxe uma onda cosmopolita e deu-nos a possibilidade de ver outras coisas», comenta José Giro.

Uma abertura aplaudida pelo nosso anfitrião, também ele impulsionador da mudança e da criação de sinergias e projectos culturais, como são testemunhas as duas esculturas do artista Paulo Neves, natural de Cucujães, no centro da vila: a “Pá”, com 64 metros de comprimento e um peso de 15 toneladas, foi criada em 2015, partindo de uma pá eólica; e “O Jaquinzinho”, formado por um enorme garfo com um peixe no topo, este último feito com sucata e inspirado no livro “O Velho e o Mar”, de Ernest Hemingway. Esta escultura foi feita em 2016 para marcar a primeira edição do Vagos Sensation Gourmet, um festival gastronómico na praia da Vagueira, que junta vários chefs de todo o país, ao mesmo tempo que inclui as relíquias da região.

Uma vontade de valorizar a arte pública, que surgiu «através da conjugação de vontades do artista, empresários e da autarquia, possibilitando a criação das obras a custos reduzidos», explica José Giro, também ele amante de arte, com vários amigos artistas, cujos trabalhos gosta de expor nas montras da sua farmácia.

Amor à primeira vista

Explicações dadas, avançamos um passo mais no tabuleiro das maravilhas da Gafanha da Vagueira: seguir pela ciclovia até à praia da Costa Nova, lugar de belas casas listradas, barcos luxuosos e boa comida, tornada ainda mais famosa com as gravações recentes de uma telenovela portuguesa.

Já no sentido oposto, contornamos a vila por fora, onde um manancial de altas árvores parece seguir-nos, como que a indicar o caminho. É o pinhal que une Aveiro à Figueira da Foz. Pelo caminho, passamos o parque das merendas e o moderno e bem equipado complexo da Escola Profissional de Agricultura e Desenvolvimento Rural de Vagos.

«Quando comprei a farmácia, nem sabia onde é que a Vagueira ficava no mapa», lembra, rindo, José Giro, natural de Santa Maria da Feira, e nós sentimo-nos redimidos pelo nosso engano inicial. E, depois, conclui: «Foi amor à primeira vista».

Não é difícil de entender. Nesta vila do concelho de Vagos, com cerca de 2.000 habitantes, há muitos espaços naturais, de beleza ainda pouco tocada pelo Homem. Aqui, a padroeira é a Nossa Senhora da Boa Hora, protectora das mães e santa da fertilidade. E assim, rapidamente, somos levados de volta aos barcos da arte xávega, que exalam uma certa exuberância, mas também uma ideia imaginada de proteção divina.

Texto de Rita Leça

Saiba mais na Revista Saúda