Embarco no avião, via Paris, com destino a Sofia, na Bulgária. Destino improvável para os meus familiares e amigos, mas a razão é simples, a Bulgária era um dos cinco países europeus onde eu nunca tinha estado. Havia que descobri-lo. Aterrei em Sofia às 23h30, para verificar que o hotel de cinco estrelas onde ia dormir tinha o restaurante o bar fechados e o serviço de quartos inativo àquela hora.

Resquícios do regime soviético e da inexistência de uma indústria chamada turismo num longínquo 14 de maio de 2011. No dia seguinte, percorro os 117 quilómetros até ao Mosteiro de Rila (na imagem em baixo), atingível em duas horas de carro por uma estreita estrada montanhosa. O mosteiro é famoso pela Torre de Hrelyo, a única estrutura da construção do século XIV que sobreviveu.

Mas é também muito procurado pelos frescos da Igreja da Natividade e pelo Museu do Tesouro, fruto do período do revivalismo nacional do século XIX. No entanto, o que verdadeiramente impressiona é a harmonia desarmónica das várias fachadas em torno do enorme pátio, cuja arquitetura nos oferece uma mistura arcos, abóbadas e balcões em madeira, de várias cores, tudo com um grafismo geométrico repetitivo.

Todo o mosteiro se enquadra num pano de fundo montanhoso, de neves ainda não derretidas, que dá a toda aquela atmosfera o tom mágico da obra humana quando esta verdadeiramente nos impressiona. Conhecer Rila já valeu a viagem, pelo que se está a pensar visitar em breve este país deverá forçosamente inclui-lo no seu roteiro, tal como os famosos jardins da nação, que pode ver nesta galeria de imagens.

Caminhos empedrados com casas tradicionais

Os 445 quilómetros entre Sofia e Varna, no Mar Negro, têm que ser percorridos em duas etapas, já que, embora faça parte da União Europeia, a Bulgária não soube aproveitar os fundos para construir autoestradas e outras infraestruras. Projetos mal elaborados e uma fortíssima mafia desviaram os dinheiros para outras paragens. Pernoitámos em Plovdiv, uma cidade estabelecida pelos trácios no século V antes de Jesus Cristo.

Capturada por Filipe da Macedónia, foi mais tarde ocupada pelos romanos, altura em que prosperou, para logo a seguir ser destruída pelos hunos, em 447. Eslavos, bizantinos e búlgaros sucederam-se até ao estabelecimento dos otomanos que durou do século XIV até ao século XIX. Um passeio a pé pela cidade leva-nos à parte velha, de caminhos empedrados com casas tradicionais, as kioshk, vestígios de uns tempos mais prósperos da segunda metade do século XIX.

Em busca dos jardins e dos encantos da Bulgária

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Um melting pot de povos e influências

Este verdadeiro melting pot de povos e influências de Plovdiv oferece-nos, a dada altura, um inesperado anfiteatro romano, em bastante bom estado, onde se organizam espetáculos e concertos e que está situado, como é habitual, num ponto alto e com vista sobre a cidade. As estradas são más mas como o tráfego é escasso e a vegetação densa e variada, o percurso acaba por se fazer sem maçar.

O objectivo de visitar Varna era ficar perto de Balchik para conhecer um palácio de férias mandado erigir em 1924, pelo rei Ferdinando da Roménia para a sua mulher Maria, neta da rainha Victoria. Inglesa da gema, uma esteta amante da natureza, a rainha Maria projectou um jardim, todo em socalcos até à praia, surpreendentemente bem mantido nos dias de hoje, graças a alguns fundos (finalmente) bem aplicados.

Uma pequena equipa de 25 jardineiros mantém uma enorme área de canteiros de violas, túlipas, rosas e variadíssimas outras flores, tudo em belas combinações de cores e formas, sem que se vejam sinais de ervas daninhas, plantas partidas ou os habituais dislates tão frequentes nos nossos jardins. Um verdadeiro exemplo em termos de beleza e organização que, confesso, me surpreendeu.

Perguntei à responsável, uma mulher modesta de cabelo apanhado, com luvas de trabalho e um avental, como era possível manter tudo em tão bom estado com tão pouca gente. A pergunta não a apanhou propriamente de surpresa. «Com muito amor», respondeu-me simplesmente, sorrindo timidamente. Vim a saber depois que a jardineira com quem falara naquelas instalações era bióloga.

Vale das rosas... sem rosas!

A etapa seguinte era o famoso Vale das Rosas. Com uma situação excecional, é um grande vale, completamente plano, rodeado por todos os lados pela cordilheira dos Balcãs, que tem cerca de 30 quilómetros de plantação de roseiras. É aí que se cultivam as famosas flores que fazem com que a Bulgária seja o maior produtor de essência de rosa do mundo. Até lá chegar, fantasiei um vale maravilhoso cheio de rosas damascenas.

Flores que, em princípio, florescem no fim de maio, para serem recolhidas no início de junho para a produção do óleo. Uma primavera muito fria atrasou a floração, pelo que rosas, nem vê-las. Vi, de facto, grandes extensões de rosas plantadas, com muita erva daninha à mistura e intercaladas por campos de lavândulas (outra produção importante) tristes e aparentemente pouco saudáveis.

A desilução transformou-se em depressão quando visitei o Instituto da Rosa e das Plantas Aromáticas e Medicinais, um local que poucas pessoas incluem habitualmente nos seus roteiros. Construções decrépitas, com vidros partidos e janelas enferrujadas albergavam um laboratório que parecia uma unidade industrial abandonada no pós-guerra. Uma verdadeira deceção!

Êxodo rural

De regresso a Sofia, visitámos no Vale dos Reis Trácios, um incrivelmente bem conservado túmulo, com o impronunciável nome de Mogila Golyama Kosmatka, que contém o sarcófago do rei Seuthes III, construído no século IV antes de Cristo. O túmulo está, não só impecável, como mostra, exatamente nas posições em foram encontrados, uma série de objetos em ouro, que constituem o primeiro ouro trabalhado de que há conhecimento.

No percurso até Veliko Tûrnovo, onde passámos a noite, o estranho puzzle que constitui a Bulgária foi-se clarificando na minha cabeça. Uma história violenta de guerras e invasões, culmina com um incrível volte-face durante a II Guerra Mundial. De início aliados dos alemães, quando perceberam que iam perder a guerra, em 1943 passaram rapidamente para o lado dos russos, o que levou a que o regime comunista soviético se instalasse depois no país.

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Um país para viajantes intrépidos e aventureiros

Essa mudança transformou a Bulgária numa sociedade estalinista modelo até às primeiras eleições livres, em 1990. Vicissitudes várias, entre as quais um êxodo de 360 mil turcos, levaram a problemas de mão de obra e ao abandono dos campos. Atualmente, é um país amargurado, sem esperança no futuro. Os ordenados são baixíssimos. Um investigador ganha pouco mais de 300 lev, cerca de 150 euros.

Esses valores deixam, ainda hoje, saudades dos tempos comunistas em que, pelo menos a educação, a saúde e a habitação, estavam garantidas. Agora, não há poder de compra e a Europa está muito longe. A população é de 7.500 milhões e os emigrantes são cerca de três milhões. De regresso a Lisboa, abro o How to Spend It, suplemento semanal sobre destinos e compras de luxo do Financial Times.

Por coincidência, dedica quatro páginas à Bulgária, elegendo-a como «um país para viajantes intrépidos e com discernimento, com uma paixão por lugares pouco conhecidos e atrações culturais primitivas». Concordo em absoluto! Se gosta de locais repletos de paisagens naturais e de cenários onde não faltam florestas, árvores, plantas e (muitas) flores, veja também a galeria de imagens de destinos com muito verde.

Texto: Vera Nobre da Costa