Em 2010, após três meses a preparar a viagem, o jornalista Tiago Carrasco, o
fotógrafo João Henriques e o cameraman
João Fontes decidiram concretizar um
velho sonho, atravessar o continente
africano de jipe.

O percurso definido
ligava Marrocos a África do Sul, em
cinco meses e com um orçamento de
apenas 60 euros por dia. Uma verdadeira utopia, não lhe parece?

21 países e 30
mil quilómetros depois, estava realizada
a maior experiência das suas vidas,
repleta de peripécias e cenários, desde o
deserto à selva, das aldeias mais remotas
às cidades caóticas, que serviram de
história para as páginas do livro «Até lá
abaixo» (Oficina do Livro). À conversa
com o autor recolhemos os melhores
truques para quem, como ele, quiser
partir numa aventura low cost. Sem
agências de viagem. Nem hotéis de luxo.

Preparativos

Para atravessar
África de norte a sul é fundamental
escolher um veículo resistente. «Um
todo-o-terreno será o ideal. Há muitas
estradas esburacadas e terrenos difíceis
como a areia do deserto ou os pântanos na selva e, obviamente, um carro ligeiro não
aguenta esse tipo de solos», justifica Tiago
Carrasco.

Se o veículo tiver duplo
depósito, melhor. «Não é fundamental,
mas dá jeito quando se planeia atravessar
desertos e selvas, em trajetos de 800
quilómetros sem possibilidade de
abastecer», diz. No guarda-luvas inclua
carta de condução internacional, bons
mapas e um guia de viagens.

Malas e bagagens

Ateste a mala
com barras energéticas e alimentos em
conserva. «Lembro-me de estarmos na
selva do Congo e de comermos atum
com mandioca. Se não tivéssemos levado
os enlatados tínhamos comido apenas
mandioca, o que seria um pouco
desconsolador», recorda. A tenda e o saco-cama são essenciais. «Mesmo que se
planeie dormir em alojamento pode haver
uma noite em que as coisas correm mal e
em que é necessário parar o jipe e montar
tenda para se dormir mais seguro», explica.

Primeiros-socorros

A mala
de medicamentos deve ir bem
apetrechada, nomeadamente com água
oxigenada, álcool, compressas,
analgésicos, antipiréticos, anti-inflamatórios, anti-histamínicos, sais de
reidratação oral e antidiarreicos. «Uma
viagem deste género não se faz sem se
comer algo a que o nosso estômago e os nossos intestinos não estão habituados. Isso
pode causar diarreia e vómitos que levam a
uma perda de líquidos muito grande e que
é importante travar», justifica.

Choque cultural

Para evitar
sobressaltos «é importante conhecer um
pouco da cultura de cada país, para nos
sabermos comportar», explica o jornalista. «Em Touba, no Senegal,
o João Fontes ia ficando com a orelha
rasgada por não sabermos que a irmandade
islâmica mouride não tolera brincos num
homem», recorda.

A informação é também uma
mais-valia no contacto com os autóctones
«É sempre bom, numa conversa, saber qual
é a etnia daquela zona e quatro ou cinco
pontos respeitantes ao país, seja a nível de
música ou de futebol. Eles ficam contentes,
principalmente quando os países não são
tão conhecidos, e é meio caminho para se
conseguir uma amizade e uma boa
aliança», diz.

Segurança

Apesar do que ouviram
antes da partida, os três amigos foram
surpreendidos pela positiva. «Vimos
bastante pobreza e miséria mas menos
fome, menos guerra e menos armas do
que estávamos à espera. À exceção da
Nigéria e da África do Sul, onde se
dispara por tudo e por nada, nos outros
países esse tipo de criminalidade quase
não existe. Há muita tentativa de burla e
de assalto por puxão ou enquanto
dormimos, mas pouco risco de vida e isso
deu-nos muita confiança», conta.

Veja na página seguinte: A (má) surpresa com a alimentação

Gastronomia

A cozinha africana
foi uma desilusão. «A alimentação local é
à base de arroz, molhos e carne de origem
bastante duvidosa», critica.

«Se se tem dinheiro e se
está numa cidade existem soluções, como os restaurantes libaneses de fast food,
depois há um ou dois restaurantes locais
que são bons, mas todos os outros são
bastante precários. Acabamos por comer
sempre a mesma coisa e é preciso tomar
suplementos vitamínicos para colmatar
as falhas nutricionais», lamenta.

«Existe água
engarrafada de norte a sul do continente,
mas convém ter sempre pastilhas ou um
filtro para purificar a água», refere ainda.

Alojamento

Em África «é fácil
encontrar um teto e um bom colchão
para dormir a um preço mínimo, mas não espere grande higiene nem
condições», conta Tiago Carrasco. «A melhor experiência é
dormir em casa de alguém que se
conhece na viagem», acrescenta.

Pode também
recorrer às pousadas da juventude que
existem principalmente nas grandes
cidades. «Aí encontram-se os poucos
viajantes que estão nesses países, o
ambiente é bom e, como geralmente têm
cozinha, poupa-se nas refeições», diz.

Serviços de fronteiras

À exceção do Botswana, do Benim
e da África do Sul, «o suborno é sempre
tentado pelos guardas alfandegários»
refere o jornalista. Se existem razões para
o guarda pedir dinheiro, «a solução é
negociar o valor da multa e seguir
viagem», refere.

«Quando não existem motivos,
o truque é ter mais paciência do que o
guarda. Ele vai pedir até à exaustão e ou
se dá outro tipo de bem, como comida ou
qualquer objeto ou então a solução é
esperar que ele se farte, abra a cancela
e deixe passar», acrescenta ainda.

Rota cinco estrelas

Para
quem prefere viajar com conforto, Tiago
Carrasco recomenda «o arquipélago dos
Bijagós, na Guiné-Bissau, com mais de
80 ilhas paradisíacas e sem insegurança», além do Mali, «onde há música por todo o lado,
o povo é afável e o rio Niger é
esplendoroso». A lista inclui ainda «as cidades de Djenné e
Tombuctu, a primeira feita de lama e a
segunda, em pleno Saara e com bons
hotéis», a África do Sul («pelos parques
naturais, as praias e os animais selvagens») e Marrocos. «Tem neve, praia, montanha,
deserto, floresta, cultura e música e está
aqui ao lado», sublinha. A lista termina com as cataratas Vitória, na
Zâmbia. «São maravilhosas», assegura.

Documentação exigida

Para evitar surpresas desagradáveis, que poderão mesmo pôr em causa a sua viagem, leia atentamente as recomendações das embaixadas
de cada país para saber que documentos é necessário
apresentar nas fronteiras. Uma mulher prevenida vale por duas, já diz o ditado!

Texto: Vanda Oliveira com Tiago Carrasco (jornalista)