Foi numa série de programas da BBC apresentada por Monty Don, chamada «Around the World in 80 Gardens», uma série absolutamente notável, que tomei conhecimento da existência do Festival dos Pátios, em Córdova.

O festival consiste na abertura ao público, durante a segunda e terceira semanas de Maio, de alguns dos cerca de cento e tal pátios ainda existentes nesta cidade. E a beleza de alguns consegue impressionar até os mais exigentes!

Por pátios entenda-se um espaço central da casa, aberto para o céu, reminiscência do impluvium romano e dos riads do norte
de África, típico dos climas muito quentes em que as casas se voltam para dentro para se protegerem do braseiro exterior. Basta circular por esta cidade espanhola para se surpreender com alguns dos mais belos exemplares. A quantidade de cores e de vasos dispostos nas paredes chega a ser inebriante!

Veja a GALERIA DE IMAGENS DOS PÁTIOS DE CÓRDOVA

Córdova é uma cidade histórica, pequena e encantadora, ainda muito marcada por ocupações sucessivas de romanos, visigodos e
árabes, onde a circulação de carros é limitada, e onde a dimensão humana é um bálsamo para qualquer visitante.

Sobretudo conhecida pela sua fabulosa mesquita, a cidade tem outras vantagens que fazem dela um fantástico destino de dois ou três dias. Além de ser relativamente perto do centro e sul do nosso país, tem uma gastronomia excelente, percorre-se facilmente a pé, é lindíssima e está bem preservada e tem... os pátios!

A melhor maneira de usufruir totalmente desta cidade cheia de charme é ficar num hotel do centro, de preferência junto à mesquita. Não há muitos e não são muito grandes, mas há uma profusão de hostales a preços moderados, espalhados pela cidade.

Veja na página seguinte: O que os proprietários dos pátios fazem para os valorizar

Atracção turística

O Festival dos Pátios é hoje uma reconhecida atração turística e, por isso mesmo, está muito bem organizado, com percursos definidos em mapas distribuídos por toda a cidade, com todos os pátios visitáveis devidamente identificados e numerados.

São atribuídos prémios aos melhores mas a recompensa é mais psicológica que real se pensarmos que o primeiro classificado recebe 3.607 euros, montante que não chega nem para compensar um décimo do investimento, entre plantas, vasos, fertilizantes,
substratos e mão-de-obra.

Um conjunto de notáveis constitui o júri que avalia todos os pátios a concurso, atribuindo 1º, 2º e 3º prémios a duas categorias, arquitetura antiga e arquitetura moderna ou renovada, e os pátios premiados ostentam orgulhosamente a menção da classificação à entrada. Também a concurso estão alguns varandins, que ostentam cachos verdadeiramente espetaculares
de flores dependurados das janelas.

Água e cores

Que não se pense que quem viu um pátio viu todos, e que tanto pátio junto se transforma numa grande monotonia. Dos 68 pátios abertos vi 66 e, embora tenha gostado mais de uns do que outros, o meu encanto e curiosidade eram tão grandes a visitar o último como o primeiro.

A variedade de plantas não é muita, com o predomínio dos pelargónios e das petúnias, mas a profusão de cores e a criatividade dos seus arranjos são extraordinários. Um elemento complementar e sempre presente é a água, às vezes sob a forma de uma fonte, de um poço, ou uma simples bacia de pedra.

A quantidade de flores, sobretudo em vasos, é o que mais impressiona, contribuindo para uma enorme sensação de cor e frescura a quem vem da rua. Os pátios descobrem-se simplesmente percorrendo as ruas e entrando nas portas assinaladas com dois vasos de ciprestes, sinal de que estão abertos ao público. Podem-se visitar entre as 11 e as 14 e das 19 às 23, horários bem espanhóis e aos quais o visitante tem de se adaptar. A entrada é gratuita, ficando ao critério do visitante uma gratificação simbólica aos donos da casa.

Veja na página seguinte: Os dois tipos de pátios mais comuns na cidade

Guitarra e sangria

Córdova tem dois tipos de pátios, os das casas senhoriais e os das casas populares. Uns mais ricos, outros mais pobres, sendo que, dos primeiros, o melhor exemplo são os doze pátios do Palácio de Viana.

Visitar os pátios populares é muito mais divertido porque é também tomar contacto com a população local, sobretudo à noite, altura em que os donos das casas, indiferentes à invasão dos curiosos, se reúnem à volta de um ou mais jarros de sangria, um deles dedilhando uma guitarra, a conversa sempre uns decibéis acima do que nós praticamos.

A manutenção dos pátios de Córdova é o resultado de um trabalho insano de imaginação e perícia. Muitos dos vasos, alcandorados bem alto nas paredes, requerem um sistema de rega primário mas engenhoso quando um escadote já não é suficiente. Trata-se de uns enormes paus com uma espécie de regador na ponta, a única forma de se conseguir alcançar as plantas.

Se multiplicarmos a tarefa de regar e cortar as folhas e flores secas por centenas de vasos em cada pátio, podemos concluir que todo o resultado final é sobretudo, uma obra de amor.

Passear dois dias pelas ruas de Córdova, entrando e saindo dos pátios abertos, sem pressa, é uma experiência inesquecível. Em Maio os calores da Andaluzia ainda andam controlados e, embora se chegue ao fim do dia com um percurso de largos quilómetros nos pés, não é nada que um bom jantar, pelas onze e meia da noite, não consiga restaurar.

A rua mais famosa é a Calle San Basílio, onde se encontra a Associação dos Amigos dos Pátios, impulsionadora do evento e angariadora de fundos, que vende miniaturas dos vasos, e perfumes à base de plantas, que são, naturalmente, irresistíveis para o visitante. O Festival dos Pátios é Córdova em festa e um bom pretexto para visitar os nossos vizinhos.

Texto: Vera Nobre da Costa