Zoraida era uma mulher sedutora e calculista. Cristã, filha de um comerciante de Valladolid, com apenas 12 anos, foi entregue ao harém do tesoureiro do califa de Córdova, um governante, muçulmano, que devido às suas preferências homossexuais nunca a chegou a desflorar. Inesperadamente, foi um filho dele que se apaixonou perdidamente por ela. Como o pai nunca permitiria tal relacionamento, uma vez que a donzela era de uma religião diferente e de uma classe mais baixa, simularam a morte dela e posteriormente o seu enterro, qual Romeu e Julieta da época moçárabe.

Para evitar o descobrimento da farsa, Zoraida teve de abandonar o palácio do califa. Rumou a Tarifa, uma pequena vila no sul de Espanha, que na altura não passava de uma pobre aldeia piscatória, onde esperou anonimamente pelo seu amado. Seis meses depois, este chegou e a história de amor consumou-se finalmente, dando origem a um lar e a uma família que nunca mais abandonou a localidade, hoje um ponto de referência de surfistas e de praticantes de windsurf e de kite surf.

Do casebre que abrigou o casal, já nada resta mas, no seu local, foi erguida um palacete que é hoje La Casa de la Favorita, um pequeno hotel de charme, decorado em tons de branco e bege, localizado numa das praças mais típicas da vila, que dá acesso às estreitas ruas de bares, restaurantes e lojas que a caracterizam. Com vista para os dois castelos de Tarifa, os quartos superiores do hotel surpreendem com as suas camas de dossel com mosquiteiros em tule.

Tal como os inferiores, alguns estão dotados de pequenas kitchenettes com frigorífico, placa vitrocerâmica e micro-ondas. Os móveis são brancos e depurados, o chão em pedra e apontamentos que variam entre o clássico e o moderno conferem personalidade às habitações. Os elementos que decoram os quartos não são muitos mas são suficientes para criar um ambiente confortável, acolhedor e relaxante. No hotel, sucede o mesmo, com as escadas labirínticas a merecer destaque.

Zoraida não é, contudo, a única mulher a dar nome aos quartos das charming suites do hotel, como os folhetos promocionais as descrevem. E também está longe de ser a única na história desta pequena unidade hoteleira de apenas oito habitações, todas elas com nomes de imaginárias princesas muçulmanas, como Assilem e Yamile. As suas histórias são contadas nas placas que anunciam o nome dos quartos no interior do hotel.

Antes de ser adquirida pela família Chamizo, natural da vila, a casa apalaçada pertenceu a um médico, a um escritor, a uma veterinária e até a um contrabandista. Os registos das edificações de relevo na zona já referiam a sua existência em 1850. Nos últimos 160 anos, foi também leito conjugal de um príncipe descendente da dinastia abbasí, o responsável pela configuração da estrutura que La Casa de la Favorita ainda mantém atualmente. Nos últimos anos, para garantir uma acomodação confortável e um design mais moderno, apesar do tradicionalismo que exibe, o antigo palacete foi renovado.

A tarefa foi levada a cabo pela arquiteta Pilar Yáñez e pelo decorador de interiores Bruno Gitsels, que se mantiveram fiéis ao espírito original do edifício. Do seu terraço superior, avista-se o Estreito de Gibraltar e as montanhas de Marrocos, tão longe e ali tão perto. Mas é no seu interior, mais concretamente na pequena biblioteca idealizada por Tomas Coloma, um dos atuais donos, que se situa um dos seus maiores tesouros. A lista de livros à disposição dos hóspedes inclui obras do escritor português José Saramago.

La Casa de la Favorita disponibiliza quatro tipologias de alojamento diferentes. Em época baixa, o quarto duplo standard pode ser alugado a partir de 60 €, um valor que na época alta chega aos 95 €. A tarifa para o quarto duplo com balcão oscila entre os 70 € e os 115 €, o mesmo preço do quarto duplo com terraço. A opção mais cara, a junior suite, tem uma variação de preços entre os 80 € e os 125 €. O hotel, que tem wi-fi grátis, permite ainda o acesso a animais doméstico, mediante o pagamento de 15 € por dia.

«Não existe a obrigatoriedade de uma estadia mínima mas não recomendamos que permaneça connosco apenas durante uma noite. Tarifa merece ser vista e usufruída durante, pelo menos, uma semana», pode ler-se no site do hotel, que além de não ter elevador também não serve
pequenos-almoços, mas dada a sua localização central não precisa de andar muito para encontrar onde se deliciar com os primeiros sabores do dia.

A tranquilidade da zona, a par do sol e do estilo de vida relaxado e descontraído, levaram Belén Ballesteros Alvarez, uma apaixonada por Lisboa, a trocar Aviles, nas Astúrias, no norte de Espanha, por esta pacata vila piscatória da Andaluzia. É ela que, sempre muito afável e comunicativa, recebe a maior parte dos turistas que pernoitam no hotel, cativando-os com uma simpatia que dá vontade de ficar mais tempo do que o inicialmente estipulado.

Percorrer as ruas de Tarifa a pé é uma das atividades que quem visita a localidade não pode perder. Mas a vila tem mais para oferecer do que os seus castelos, as suas igrejas, as suas lojas, os seus restaurantes e os seus animados bares. Também tem praia no centro, se bem que as melhores da região se situem nos arredores, como é o caso da Playa de Valdevaqueros, a preferida de muitos dos praticantes de surf, windsurf e kite surf que anualmente rumam àquelas paragens.

Do porto de Tarifa parte, quase a todas as horas, um ferry que faz a ligação a Tânger, em Marrocos, em apenas 35 minutos. Mas, se não quiser ir tão longe, pode sempre aventurar-se nas atividades radicais que popularizam a zona (existem muitas escolas que fazem batismos de surf, windsurf e kite surf) ou fazer excursões de avistamento de cetáceos ou de pássaros. A extensa lista de actividades propostas também inclui passeios a cavalo na praia ao pôr do sol.

Tal como a pitoresca localidade de Vejer de la Frontera e as ruínas romanas de Baelo Claudia, Gibraltar, o polémico território ultramarino que pertence à Grã-Bretanha, também não fica longe. Além da famosa colónia de macacos que constitui um dos ex libris do rochedo, pode visitar as lojas e os edifícios de arquitetura britânica que por lá imperam. Nesta pequena península, com uma estreita fronteira terrestre com Espanha a norte, predominam os monumentos de origem militar. O jardim botânico que existe neste enclave britânico também merece uma visita.

Texto: Luis Batista Gonçalves