Apesar de ainda pouco divulgados deste lado da Europa, encantam os nipónicos há séculos. A primeira e a mais importante escola clássica de ikebana
foi fundada no Japão por Ono-no-Imoko, um diplomata
da corte da imperatriz Suiko e de seu sobrinho e sucessor,
o príncipe Shotoku Taishi.

Liderando uma missão diplomática à China
aí tomou contacto com o budismo,
a caligrafia, a pintura e a arte de alindar
os templos da região.

Quando o príncipe Shotoku Taishi se converteu ao budismo, mandou construir vários templos destinados ao
seu culto. Um deles foi o templo Shiunzan Chohoji, mais
conhecido pelo templo Rokkaku Do, no centro de Helan
Kyô, a capital da paz, atual Kyoto, cidade foi a capital do império do Japão.

Após a morte do
príncipe, Ono-no-Imoko retirou-se para uma cabana
perto de um lago dentro dos jardins do Templo Rokaku
Do e dedicou o resto da sua vida à meditação e a alindar
os altares de Buda, tornando-se o monge Senmu,
também conhecido por Ike-no-bo, que significa em
japonês ermitão do lago. E foi este nome, ikenobo, que
foi dado à primeira escola de ikebana.

Quando Ono-no-Imoko faleceu um outro monge sucedeu-lhe no Templo
Rokkaku Do, tornando-se o chefe da escola Ikenobo.
E desde então o título e a autoridade foram passando
de cada um para o seu sucessor e isso prevalece até aos
dias de hoje.

Estilo nageire

Os primeiros arranjos florais denominavam-se kuge
(que significa «o ato de oferecer flores a Buda ou aos
mortos»). Era uma forma muito simples de disposição
dos galhos e das flores num vaso.

No período
Muromachi da história do Japão (1336-1568), o kuge
evoluiu para uma forma um pouco mais complexa e
passou a denominar-se tatebana, o arranjo floral passa
a ter também um cunho estético e não apenas religioso.
Neste período a cultura japonesa em geral e
o ikebana em particular, conheceram um grande
desenvolvimento e renascimento, a arte de ikebana
passa a ser utilizada para alindar os palácios e não
apenas os templos. Foi neste período que foi criado
o estilo nageire também utilizado para alindar o
tokonoma.

Estilo rikka

Importa aqui falar um pouco sobre o tokonoma, recanto ornamental ou lugar de honra no saishiti, a sala principal dos lares budistas japoneses. É diante deste recanto que se recebem as visitas e que se aprecia e saboreia o chá. Neste recanto dedicado ao culto a Buda é colocado um arranjo floral ikebana elaborado com as plantas/flores da estação do ano em presença e uma pintura em papel de arroz que contém também um poema denominado Haikai.

Veja na página seguinte: A influência dos outros estilos

O criador deste género de poesia foi Matsuo Bashô
(1644-1694)
e é constituído por 17 sílabas, ou melhor dizendo, sons,distribuídos por três versos de cinco/sete/cinco sílabas respetivamente, sem rima, sem título e com o termo da estação do ano (kigô em japonês).

Kigô é a palavra que representa uma das quatro estações, primavera, verão, outono ou inverno.

Cada uma das estações do ano tem o seu próprio carácter, do ponto de vista da sensibilidade do poeta. A primavera simboliza alegria e o verão a vivacidade.

O outono, por seu lado, retrata a a melancolia e o inverno corresponde à tranquilidade. Assim, o haikai é um poema que exprime fielmente a sensibilidade do seu autor. Outros poetas se dedicaram à escrita do haikai, sendo Kikaku, Buson e Issa os mais famosos seguidores de Bashô.
É também no período muromachi que é completada a criação do estilo rikka, cujas primeiras regras tinham sido estabelecidas em 1462 pelo grande mestre floral, Ikenobo Senkei.

Enquanto o nageire (do verbo japonês nageiru que significa atirar e/ou projetar) é um estilo simples e austero, o rikka é complexo e cheio de simbolismo, usado fundamentalmente para as cerimónias religiosas e para festivais.
O estilo rikka merece-nos aqui um olhar particular dado o seu simbolismo e complexidade de realização.

Neste estilo, representa-se a montanha sagrada de todos os devotos do budismo, o Shumisen. De acordo com a cosmologia budista e hinduísta, Shumisen é o nome da montanha conhecida como Sumeru ou Meru que está no centro do cosmos ou universo.

O arranjo floral é constituído por sete ou nove galhos principais que representam sucessivamente e por ordem de colocação no vaso: o cume da montanha, o cume dos montes secundários, a visão da montanha ao longe, os montes secundários, uma aldeia flutuante, a linha do horizonte, a linha das colinas, a colina onde nascem as cascatas de água e o sopé da montanha.

Cada um destes galhos principais tem medidas específicas e posições angulares rígidas de colocação no respetivo vaso. Além destes nove galhos principais, o rikka é completado com elementos secundários, nomeadamente ramos, folhas e/ou flores, daí a complexidade da sua realização.

Veja na página seguinte: As linhas que rodeiam uma linha vertical imaginária

Estilo shôka

No século XVIII, é criado o estilo shôka, só praticado pela escola Ikenobo, situado entre a austeridade do nageire e a complexidade do rikka.


Esta escola também adotou o estilo Moribana criado em 1897 por Unshin Ohara, estilo que trataremos nos artigos referentes à escola Ohara.

O nageire, o shôka e o moribana são elaborados a partir de três linhas principais repartidas à volta de uma linha vertical imaginária segundo um esquema ternário.

Essas linhas simbolizam o céu (SIN), a linha mais alta. O homem (SOE) é representado pela linha média. A terceira linha, mais curta, que simboliza a terra (TAI). Em cada um destes estilos, há medidas específicas para os galhos e/ou flores principais e ângulos de colocação na jarra, vaso ou vaso raso. Elementos secundários podem completar o arranjo (os ashirai em japonês) e exprimem a força do arranjo, enquanto os elementos principais exprimem o movimento do mesmo.

Texto: Maria Isabel Pereira