Até a um dia cinzento de Janeiro, a minha relação com cogumelos era uma relação de prato, isto é, comia-os.

Cá em casa todos gostamos de vegetais, por isso, tarte de cogumelos, risotto al funghi ou qualquer pasta com eles são receitas recorrentes e muito apreciadas.

Nos últimos anos já se começou a ver nas prateleiras dos nossos supermercados uma grande variedade de cogumelos frescos ou secos, fruto de uma exploração mais atrevida ao universo de uma gastronomia sofisticada.

Agora sim, podemos facilmente provar a delicadeza das diferentes variedades e não apenas os vulgares Agaricus bisporus, erradamente conhecidos no nosso país por champignons, designação genérica em francês da espécie dos cogumelos.

Mas, apesar de gostar muito de cogumelos, nunca tinha tido a experiência de os apanhar na natureza, até que, durante uma estadia na ilha de Elba no ano passado, em casa de amigos suíços, andei a pé, no meio de matas durante seis horas, de cestinho na mão, à procura de Funghi porcini com o objectivo de cozinharmos um risotto para o jantar. Aparentemente, este exercício era normal e habitual para os donos da casa.

As chuvas do mês de Dezembro fizeram explodir no meu jardim inúmeros de cogumelos, diferentes uns dos outros, que, apenas tinham em comum o facto de aparecerem de um dia para o outro e de durarem muito pouco tempo. Incapaz de os identificar, pelo sim pelo não, arrancava-os com medo que fossem venenosos e pudessem fazer mal aos meus cães.

Fiquei na dúvida se estaria a fazer um favor aos canídeos ou, pura e simplesmente, a desperdiçar uma belíssima oportunidade de um excelente ingrediente culinário, inteiramente grátis. Foi assim que, para me esclarecer, resolvi inscrever-me num passeio de cogumelos organizado pela engenheira Henriqueta Carvalho, com quem partilho a presidência da Associação de Amigos do Jardim Botânico da Ajuda.

Lá partimos às oito da manhã da porta do Jardim na Calçada da Ajuda, de camioneta, em direcção ao Pinhal de Leiria, vinte e quatro pessoas ensonadas das quais eu era provavelmente a que sabia menos sobre os ditos cogumelos.

Cestinhos para a recolha, canivetes, luvas e botas de borracha faziam parte do aparato do grupo, que parecia encarar tudo aquilo com naturalidade. Como é costume nas iniciativas da Henriqueta, estava tudo impecavelmente organizado e o grupo devidamente orientado por formadores, o Dr. Jorge Estrela e a engenheira Helena Machado, esta última micóloga de formação.

Começámos por fazer uma recolha na Mata de Leiria, perto de S. Pedro de Moel, constituída por eucaliptos e acácias, e terminámos uns quilómetros mais à frente, na zona do Pinhal, mais próximo da Nazaré. Isto porque as variedades de cogumelos são diferentes em função das árvores que se encontram no habitat.

Veja na página seguinte: As previsões que ensombraram o dia

A previsão de chuva não se cumpriu e o dia estava, embora cinzento, perfeito para o exercício. Fiquei atónita com a facilidade com que encontrávamos cogumelos e, sobretudo, com a sua variedade.

É que os cogumelos, embora tenham na sua maioria as mesmas características morfológicas (chapéu e pé), são muito diferentes entre si, se bem que, nalguns casos, muito parecidos à vista. Para a sua correcta identificação, é preciso analisarmos, para alem da morfologia, as suas características organolépticas, isto é, o cheiro, o sabor, a textura e a que grupo trófico é que pertencem.

Pois é, os cogumelos são como as pessoas: há os bons, os porcos e os maus. Os bons são os Micorrízicos, que estabelecem uma relação de simbiose com as raízes de árvores ou arbustos onde se instalam, facilitando a absorção de água e nutrientes e recebendo em troca o alimento que necessitam.

Os porcos são os Sapróbios, que colonizam frutos, folhas, troncos mortos ou excrementos de animais, alimentando-se dos nutrientes que extraem da decomposição destes substratos. Os maus são os Parasitas, os que sacrificam animais ou plantas para retirarem o alimento essencial ao seu metabolismo, como, por exemplo, a Armillaria mellea, que se instala em círculo à volta de uma árvore podendo debilitá-la extraordinariamente ou mesmo matá-la.

Mas colher cogumelos para comer é um exercício muito perigoso, se não se for acompanhado de um técnico experiente. A ingestão de cogumelos não comestíveis pode ir do simples desarranjo intestinal até à morte.

Não são de fiar aqueles truques caseiros de cozinhá-los com uma colher de prata, um alho ou uma cebola porque eles escurecem se o cogumelo for perigoso. Isto é uma fantasia popular muito arriscada já que há substâncias tóxicas que não dão qualquer reacção.

Tirando esta advertência, procurar cogumelos é uma verdadeira delícia: o cheirinho dos pinheiros ou dos eucaliptos, o prazer de andar sobre um tapete de folhas, sem contacto com vestígios civilizacionais de plástico ou outros e a companhia de pessoas, todas unidas num mesmo objectivo, dão logo vontade de repetir a experiência.

Aprendi que não se devem apanhar cogumelos muito jovens, que ainda não tenham espalhado os seus esporos. Nem muito velhos, que podem trazer consigo contaminações menos apetitosas.

Deve-se cortar o pé com um canivete, rente à terra, e não arrancá-lo com um garfo. Há que verificar se a textura do pé é dura, pois se assim não for, já não vale a pena arrancá-lo, etc, etc...

Finalmente, ajuda muito se formos acompanhados de um livro que tenha boas ilustrações devidamente identificadas. Facilita imenso.

Veja na página seguinte: Como correu a colheita

A nossa colheita final foi bastante satisfatória. Devemos ter apanhado umas dezenas de variedades, que foram expostas (devidamente identificadas pelos formadores) numa mesa de um restaurante das Caldas onde um tardio e merecido almoço encerrou o passeio.

A variedade apanhada em maior quantidade foi, é claro, a melhor do ponto de vista culinário: o Tricholoma equestre. Quando foi identificado na zona do Pinhal de Leiria, o grupo entrou num verdadeiro frenesim de procura que redundou em algures lares bem fornecidos de cogumelos nesse dia.

De regresso a casa, já noite, meditei neste dia tão bem passado e concluí como o grande filósofo, que só sei que nada sei. Quanto mais me aventuro por uma qualquer área botânica, mais dou por mim a constatar o quão difícil é ir um pouco mais alem do que a mínima superficialidade sobre um determinado assunto.

De qualquer forma, já mandei vir um guia de cogumelos e vou passar a olhar de forma diferente e mais respeitosa para esta espécie tão misteriosa do nosso mundo vegetal. Para terminar, a minha gratidão à Maria Odete de Jesus, companheira da aventura, que me salvou de uma inesperada falta de bateria da minha máquina fotografia, com as suas magníficas fotografias.

Texto: Vera Nobre da Costa
Foto: Maria Odete de Jesus