A quantidade de pessoas que pretendem agricultar um talhão urbano ou fazer uma horta na sua varanda, terraço, telhado ou quintar, aumenta a olhos vistos e é a maior demonstração de cidadania em Portugal.

Em hortas a tradição foi mudando. Por necessidade, as pessoas comungam de um espaço, vigiam-no e zelam pelo interesse do grupo que ocupa o espaço cultivado e as redondezas.

É também lá que se trocam experiências, fatores de produção e, claro, hortaliças. Estes são também espaços de manifestação espontânea do desejo de se organizar num espaço comum a várias pessoas, com o fim de elaborar uma horta. Essa junção de vontades possibilita o desenvolvimento da própria cidadania. Assim, leva as pessoas a perceber que juntos podem chegar mais longe na resolução de necessidades alimentares/ocupação de tempos livres/exercício físico, tendo um lugar primordial na saúde preventiva pois promove a nutrição saudável.

Contribui também para a promoção do associativismo, que em Portugal, é sabido, tem baixa expressão e onde, por exemplo, o cooperativismo é visto com desconfiança, enquanto em países como os EUA é um fenómeno enorme e em expansão em todos os ramos de atividades. Agora, este fenómeno natural de organização e agregação expontânea de vários cidadãos tende a ser regulado e tomado pela rédea por entendades institucionalizadas como os municípios.

Muito embora a iniciativa seja de louvar, e mesmo sabendo que a organização destes espaços públicos se torna muito mais barata, por ser transformada em hortas urbanas, pois são mantidos, segundo as regras criadas pela câmaras ou afins, pela própria população, embaratecendo a gestão de espaço verdes, em comparação com a manutenção de jardins públicos e trazendo simultaneamente dividendos políticos, estes projetos são do agrado da população até porque tornam de facto a cidade mais sustentável.

Organização social e maturidade cívica

No entanto, o facto de as hortas serem organizadas por entidades contraria uma fase mais madura da cidadania que tarda em despertar em Portugal talvez porque estamos sempre habituados a que alguém faça por nós o que mais uma vez se passa neste fenómeno das hortas urbanas. Assim, o facto de em outras capitais ou cidades o fenómeno se ter passado inversamente, onde a génese de hortas urbanas esteve como aqui ligada a fenómenos populares expontâneos.

Esses fenómenos depois foram feitos através de pedidos feitos pela própria população incorporados numa rede urbana de urban gardens, como por exemplo em Londres, onde um dos mapas turísticos da cidade foi publicado pela câmara, contendo todas as hortas organizadas pela população, mas vinculadas e homologadas como espaços públicos pelas câmaras, a pedido da população que organiozou e regrou o espaço a seu bel prazer, contendo este fenómeno uma maior liberdade do cidadão que organiza o espaço conforme as suas necessidades e tenta no final do processo legalizá-lo perante as autoridades.

Para isso apenas é necessário que a autarquia dê o seu aval ao espaço como parte de uma rede de jardins públicos da cidade e visitáveis por toda a gente. Ora, qualquer grupo de portugueses pode fazer isto. Em qualquer lugar que seja já de hortas ou que se queira criar. Por exemplo, em Carcavelos, onde já existe uma horta urbana criada pela câmara, há muitas pessoas interessadas em mais.

Os habitantes de um dos bairros têm já desenvolvidas as primeiras zonas de cultivo, existindo ali três ou quatro hortas instaladas, encontrando-se numa situação de espera depois de terem pedido ao poder municipal a elaboração de um espaço planificado de hortas urbanas nos terrenos adjacentes. A dificuldade de acesso à água faz com estas tenham sido criadas pelos moradores dos prédios mais próximos, pois ligam diretamente mangueiras às torneiras de distribuição domésticas.

Os moradores acreditam que o pedido que fizeram à câmara venha a ser atendido, mas não é certo ainda se a entidade municipal tem prevista a criação neste local de um espaço planificado de hortas urbanas. Poderiam, porém, muito simplesmente, organizar-se e propor a criação daquele projeto, informando apenas a câmara desta intenção e requerendo a instalação de um terminal de abastecimento de água no local, deixando claro que pretendem gerir eles próprios o espaço que, no futuro, poderá ser considerado um jardim público.

Um projeto que poderia até integrar atividades a desfrutar por visitantes, servindo como espaço de lazer para toda a gente, onde as crianças possam aprender a produzir os seus alimentos e tenham um contacto enriquecedor com a natureza. E isto pode passar-se imediatamente, tendo a autarquia pura e simplesmente que disponibilizar uma boca de água e um contador e formalizar a cedência do espaço público.

Um grau de cidadania mais evoluído

Este é um grau de cidadania mais evoluído, onde os custos de elaboração das hortas são menores e onde é promovida a organização e a iniciativa dos cidadãos. Se este processo fosse dificultado, é ainda possível uma estratégia alternativa de sucesso historicamente comprovado, com a ocupação do terreno e posterior legalização do projeto, avançando com a criação de estruturas de retenção de água.

Uma via semelhante àquela que está na génese de muitas hortas espontâneas, desde que sem consequências nefastas em termos de impacto ambiental, desde que as hortas sejam declaradas e instaladas em locais livres de pesticidas e herbicidas.

Cidades do século XXI

A existência de hortas urbanas pode, como em Lisboa ou Loures, fazer parte da estrutura verde da cidade, integrando os corredores verdes criados com fins multifuncionais tais como:

- Controle climático e micro climático da cidade, evitando temperaturas e ventos excessivos criados pelo betão

- Controle de erosão

- Criação de habitat e manutenção da biodiversidade urbana, já muito baixa

- Controle dos ciclos hídricos, permitindo a infiltração de águas e a recarga dos aquíferos e controlando assim o risco de cheias tão comum nas zonas baixas das cidades em consequência do rápido escoamento das águas pelas superfícies pavimentadas urbanas

- Criação de uma área de lazer para os cidadãos, num ambiente urbano e deficitário deste tipo de estruturas.

Guia para arrancar com uma horta urbana

Encontrar um terreno público ou privado que possa ser cedido é o primeiro passo. Fazer um reconhecimento do terreno, real ou no Google Earth, na zona pretendida. Depois, deve dirigir-se à câmara municipal, que pode informar sobre a pertença do terreno, informando-a se é espaço público ou privado. Pode também consultar o Plano Diretor Municipal (PDM), como pista de procura, pois este indicia o uso do território. Porém é muito macroscópico. Em espaço urbanizável de moradias ou prédios, podem existir pequenos terrenos não marcados ao nível do PDM, que servirão para o fim pretendido, apenas detetáveis por reconhecimento, mas podemos saber assim onde sãos as zonas urbanizáveis e as que o não são.

Estas últimas, se próximas das primeiras, podem servir o fim. Fazer um pedido de cedência do espaço, que em Portugal só é possível se partir de um grupo organizado, uma associação ou comissão de moradores é o passo seguinte. Pode também tentar conseguir que a câmara ceda só a gestão do espaço e requerer depois uma boca de água e contador. Depois, é meter mãos à obra!

Essa fase do processo passa por efetuar a divisão dos talhões e dos caminhos conforme as necessidades pretendidas e criar um regulamento com que todos deverão concordar. Planear em seguida o espaço conforme o plano pré definido, a partir das ideias dos futuros hortelões, é outra das ações a empreender. Podem ser criados espaços comuns, zonas de compostagem e/ou zonas de criação de habitat.

O projeto pode ser até mais ambicioso e tornar-se um local de visita, para mostrar às pessoas aquilo que fazem ou mesmo para montar uma estrutura de educação ambiental aberta aos visitantes durante algumas horas por semana. Pode ser também pedida ajuda a entidades técnicas especializadas, que já existem, para ajudar a planear estes espaços. Do que está à espera?

Texto: Raquel Sousa (engenheira agrícola)