«Não julgue que é loucura. Não é. Dá-se até o facto curioso de, em matéria de equilíbrio mental, eu estar bem como nunca estive. É que tudo isto não é o vulgar desenvolvimento de um médium. Já sei o bastante das ciências ocultas para reconhecer que estão sendo acordados em mim os sentidos chamados superiores para um fim qualquer…», escreveu a dada altura. A citação é de Fernando Pessoa, poeta que foi à descoberta, foi descoberto ou descobriu-se no esoterismo.

Um universo que desperta a ambivalência da atracção e do medo. Que nos assoma de dúvidas, que nos preenche de incontáveis fragmentos de angústia ou que nos liberta de todos eles. Poderemos reencontrar nele o genuíno sentido da nossa existência? E que perigos corremos quando decidimos avançar ou somos empurrados para esse longo (até interminável) percurso da (auto)consciência?

Não há ninguém que não tenha lançado estas questões. Nem mesmo os cépticos. Nem mesmo você! Deste lado do ecrã, do lado que quem escreve, somos iguais a si. Fizemos perguntas e obtivemos respostas. São essas afirmações, essas teorias e essas construções que agora partilhamos consigo, mergulhando num mar de (re)descoberta interior que tanta ânsia nos causa muitas das vezes.

O esoterismo descartável

Enigmático, oculto, conhecimento mágico e místico compreensível só por alguns. Assim se define, numa primeira leitura, o esoterismo. Uma enorme caixa onde se guardam práticas, doutrinas, conceitos e códigos da transcendência humana. Uma enorme caixa onde cabe tudo, até mesmo o charlatanismo, pelo que deve ser aberta e explorada com um profundo sentido crítico. Na verdade, existem várias classes de esoterismo, capaz de ser altamente positivo ou profundamente negativo.

Como nos conta Mário Simões, psiquiatra, «muitas pessoas procuram um esoterismo ligado a uma espiritualidade tipo fast food. Pegam nuns livros, fazem uns exercícios de meditação, queimam incenso e vivem na sua penthouse da espiritualidade. Isso é uma fuga da realidade. Uma experiência de espiritualidade bem realizada implica trazer o que se apreende para a vida prática», acredita.

À luz desta ideia, alguém que, por exemplo, consulta um astrólogo, em busca de respostas antecipadas, mas nada faz por se desenvolver interiormente, está a desperdiçar o melhor que este universo tem para oferecer. Diz Mário Simões que «a ida ao astrólogo, à cartomante, é apenas uma doença infantil daquilo que seria a caminhada para uma espiritualidade mais rica, abrangente. É apenas utilitária, é muito egocêntrica, serve somente para tirar medos.»

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Manual de instruções

O grande perigo que corre quem se inicia no esoterismo é ficar dependente. Mário Simões, psiquiatra, alerta para o facto de que «quando o esotérico é mais uma forma de conhecimento e o conseguimos integrar no dia a dia, adequá-lo à nossa cultura e contexto, irá enriquecer-nos». «O esoterismo espiritual leva a um desenvolvimento e a um autoconhecimento. Agora quem o encara como determinante perde liberdade e fica, muitas vezes, perturbado», diz.

«Se a pessoa não faz nada sem ouvir um oráculo, lançar cartas ou falar com o astrólogo está doente. Perdeu a flexibilidade. O mundo esotérico deve ser um mundo de libertação», acrescenta o especialista. Como podemos então conseguir aplicar os ensinamentos esotéricos enquanto ferramentas do autoconhecimento? Há várias regras a cumprir. A primeira delas, conta-nos o psiquiatra, é estarmos vigilantes.

«Não devemos acreditar em tudo. A pessoa deve, durante as suas práticas, perceber se se está ou não a tentar convencer-se a si mesma. Quando a razão, a emoção e a sensação estiverem em sintonia então a probabilidade de estarmos certos é elevada», defende. Mas o sentido crítico de um iniciado não basta. É preciso dedicação. «Alguém que quer seguir a via do esotérico espiritual deve ser estudioso, praticar e ser corajoso», diz. Por último, há que seguir o princípio do respeito, por estes temas mas também por si mesmo.

Matriz esotérica

Parece um paradoxo, mas não é. Como se explica que no momento em que atingimos o auge da exaltação da imagem exterior se assista a uma cada vez maior procura de respostas sobre a nossa essência interior? A resposta encontra-se na própria pergunta. Apesar de todos os avanços científicos, a soma de tudo o que conquistámos continua a soar-nos a insatisfação. Sentimo-nos perdidos, alguns de nós angustiados, inseguros. A maior parte tem medo da morte. Outros tantos receiam a própria vida.

Faltam-nos referências, afirmam muitos. «Rodeámo-nos de tudo o que é conforto mas lá dentro o conforto ainda não está presente. Ele é dado pelo sentimento de que a vida tem um sentido. É como se o homem tivesse uma necessidade de se transcender, no sentido de ser mais e melhor», sublinha. Mas de onde vem essa necessidade tão subliminar quanto gritante? Mário Simões tem uma teoria.

«As pessoas buscam algo que vem inscrito numa matriz inicial. Intuem que tudo aquilo que os sentidos apuram ou aquilo que a tecnologia lhes demonstra não chega para lhes dar sentido à vida. É uma espécie de programa interno que a certa altura desperta, quase sempre a seguir a vicissitudes da vida, mudanças com impacto emocional». Quererão elas saber o porquê do que lhes aconteceu? «Não», responde o psiquiatra. Querem saber o para quê e o que tenho eu a aprender com isto?», refere.

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Mente e espírito em uníssono

Scott Peck, psiquiatra norte-americano e autor do bestseller «O caminho menos percorrido», inclui-se no grupo de especialistas para quem a mente e o espírito são um só. Na sua obra assume que não faz «distinção entre o processo de consecução do desenvolvimento espiritual e o de consecução de desenvolvimento mental». Uma abordagem que a própria ciência tem tentado explorar, nomeadamente para perceber se existe alguma ligação entre certas práticas esotéricas e o bem-estar psíquico e físico.

A meditação é, neste campo, um dos exemplos mais paradigmáticos. Um estudo realizado por vários investigadores de Yale e Harvard concluiu que as práticas meditativas geram alterações em regiões do córtex cerebral, fulcrais para as funções cognitivas, para as emoções e o bem-estar.

Os estudos apuraram que a meditação não só estimula a concentração, como retarda o envelhecimento cerebral, impulsiona a nossa capacidade cognitiva, ajuda a baixar a pressão arterial e inclusivamente a gerir a dor. Atualmente, na moderna psicoterapia, este tipo de prática, assim como a regressão, podem ser realizadas com a ajuda de um psiquiatra ou psicólogo, abrindo novos caminhos ao autoconhecimento.

Capacidades paranormais

A ciência tem-se também questionado se seremos apenas capazes de captar informação através dos nossos sentidos ou se é realmente possível, por exemplo, que alguém saiba o que se está a passar a uma longa distância (clarividência) ou antecipar uma situação que ainda não aconteceu (précognição). Segundo o artigo «Funções psicológicas anómalas», baseado numa extensa bibliografia de carácter científico e assinado pelo psicólogo Vítor Rodrigues, tal é mesmo possível.

Resultados de investigações «indicam que alguns indivíduos, pelo menos conseguem descrever, a distâncias que podem ir de alguns metros a milhares de quilómetros, acontecimentos que estão a ocorrer ou irão ocorrer nas próximas horas com precisão por vezes extremas», afiança. De acordo com Mário Simões, «hoje está provado em laboratório que é possível captar informações acerca de outra pessoa».

Investigações, conhecidas como Distant Mental Interaction With Living Systems, também já demonstraram que «há indivíduos que têm a capacidade de aliviar sintomas simplesmente pelo seu pensamento, pela colocação da mão», acrescenta o psiquiatra. Uma ideia reforçada por Vítor Rodrigues. «A possibilidade de existirem interacções anómalas, inexplicadas por quaisquer mecanismos biológicos ou físicos conhecidos, entre o psiquismo e sistemas físicos ou biológicos, não é pura ficção. Acontece mesmo». Só falta agora a ciência  apurar o como dessas capacidades.

Texto: Nazaré Tocha com Mário Simões (psiquiatra) e Vítor Rodrigues (psicólogo clínico)