A complexidade que envolve estarmos encarnados na terceira dimensão é,
sem dúvida, muito grande, e, por mais que queiramos simplificar, não
conseguimos. No entanto, isto não é motivo para nos desalentarmos e até
de desistirmos de continuar investindo no nosso bem mais elevado, e
consequentemente, o de todos.
Há muito tempo sabemos que o perdão é a atitude máxima para obtermos a
verdadeira cura e que envolve compreensão para que possa ser realmente
efectivado. E então? Como em um passe de mágica, após o perdão, pensamos
que tudo estaria resolvido. Há, no entanto, mais “lição de casa” para
fazermos.
Vamos considerar alguns aspectos relacionados com a nossa criança
interior e, claro, com o nosso passado histórico e pessoal. Segundo
Eckart Tolle, autor de “O Poder do Agora” e de outros livros, “o
sofrimento que sentimos neste exacto momento é sempre alguma forma de
não-aceitação, uma forma de resistência inconsciente ao que é”.
Impressionante como esta declaração é verdadeira!

Quando falamos em perdão, parece que fantasiamos que junto com tal
atitude virá também toda espécie de milagres improváveis, como se o
perdão apenas fosse a senha para a bem-aventurança e a solução de todos
os desafios que enfrentamos. No entanto, parece-nos que o perdão é
apenas e tão-somente o começo de um processo que poderá ser longo ou
não, dependendo de cada pessoa e situação envolvidas.

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Queremos perdoar aos nossos familiares; colocamos o ego no banco detrás e
com o apoio do nosso eu maior, partimos para abrir diálogos há muito
fechados; rever situações que embora acreditemos solucionadas, damos ao
outro a oportunidade de se expressar e de pôr os “pingos nos is”, ainda
que para nós tudo já estivesse resolvido. Damos uma verdadeira
demonstração de humildade, mesmo sendo a parte ofendida; não hesitamos
em pedir perdão, porque desejamos ficar em paz com todos.
No entanto, apesar de darmos conta de tudo isso no nível mental e
espiritual, muitas vezes somos surpreendidos com as nossas emoções.
Principalmente aquelas que advêm da nossa criança interna. Aí é que as
coisas se complicam, porque a criança tem a fantasia de que uma vez
perdoado, o passado possa ser retomado de maneira mágica, realizando os
sonhos infantis. Se forem de uma família unida, todos vivendo em paz,
cheios de compreensão, amor e compaixão, é exactamente isso que a criança
vai esperar, inconscientemente, claro, da situação a partir do perdão.

O passado é história e não dá para desmenti-lo. Podemos modificá-lo a
partir do agora, mas isso não é automático, requer maestria. A partir
desse ponto, o processo ganha uma subtileza que muitas vezes só o corpo
físico pode “falar” connosco, através de algum sintoma persistente,
incomodo e, no entanto, eloquente, para quem puder decifrá-lo.
Além do perdão há que se desapegar da ilusão seja lá do que for: família
unida, reviver o lado bom do passado, apagar realidades dolorosas como
se não houvesse acontecido etc. A falta do desapego é o grande
perpetuador dos sintomas, que apesar do perdão ainda permanecem
incomodando e dando a sensação de que pode haver ressentimento, raiva ou
mágoa, quando, de fato, o que há é o apego a uma ilusão de quem ainda
acredita em cegonha, papai Noel etc.

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O perdão não implica em anularmos o passado vivido e colocarmos em seu
lugar as fantasias da nossa criança interna ferida, de uma vida perfeita
ao lado dos nossos entes queridos aqui e agora. O apego a essa ilusão é
o que nos adoece, mesmo que tenhamos feito um apropriado trabalho de
perdão.

Podemos dispor de incontáveis ajudadores multidimensionais, capazes de
nos orientar e guiar para nos desvencilharmos das ilusões e apegos ainda
persistentes em nós através da nossa criança, que inconscientemente nos
atrai para uma utopia ainda desejada bem no seu âmago. Não podemos
alimentar qualquer ilusão de reconstruirmos o paraíso perdido da nossa
infância, temos que encarar o nosso agora como a nossa única realidade,
capaz de nos oferecer o verdadeiro “presente” de uma vida alegre, digna e
amorosa, que nós mesmos temos condições de obter, independentemente do
que tenhamos vivenciado.

Ivete Adavaí – adavai@antares.com.br

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