Parece que não é só na física que a lei dos opostos funciona. Nas relações amorosas, também. Estudos, especialistas e casos reais mostram-nos como, por vezes, ser diferente pode ser um bom preditor de uma relação duradoura e feliz. Susana, 31 anos, adora a cidade e a vida urbana. Sempre quis ser médica e, hoje, adora a sua profissão. É médica, especialista em medicina geral e familiar. Nos tempos livres, adora viajar, ler e ir ao teatro.

João, 34 anos, optou por concluir os estudos no ensino secundário para ser camionista, profissão que manteve durante longos anos. Adora o campo e a caça é um dos seus hobbies preferidos. Diz que o gosto pelo meio rural está-lhe nos genes. Não troca por nada os fins de semana que passa na quinta dos pais em Odemira, a cuidar da horta e dos animais. Lugar onde nasceu e sempre viveu. Até se apaixonar por Susana.

Com estilos de vida totalmente distintos, a paixão falou mais alto, quando João e Susana (na foto) se cruzaram numa praia da Costa Vicentina. Hoje, 10 anos depois, estão casados e muito felizes. Um casal que, à primeira vista, não tinha nada para dar certo e que, contra todas as aparências, resultou numa relação sólida e duradoura. Há estudos e especialistas que confirmam que as relações entre pessoas muito semelhantes são menos propensas a durar e que as diferenças num casal podem ser a base de uma relação sustentável a longo prazo.

Não acredita? Reunimos estudos, especialistas e casos reais que comprovam que o antigo ditado popular que diz que os opostos se atraem pode ser, afinal, em alguns casos, o segredo de uma relação forte e feliz. Até porque a felicidade (também) está na diferença. Num estudo recente, realizado na Universidade de Columbia (EUA), que avaliou o relacionamento de 732 casais, os investigadores concluíram que os casais que são muito semelhantes, quer fisicamente, quer psicologicamente, são menos propensos a ter um relacionamento duradouro do que aqueles que apresentam algumas diferenças.

As conclusões da investigação sugerem que o segredo de uma relação longa e feliz não está em encontrar um parceiro muito parecido connosco, mas sim um parceiro que nos faça feliz, mesmo que isso signifique estar com alguém diferente de nós. Susana e João são a prova de que é possível encontrar o amor e a felicidade na diferença. Entre eles, há claras diferenças que, à primeira-vista, até podem parecer significativas. Mas tudo faz sentido nesta história, a partir do momento em que começamos a conversar com o João e a Susana.

Bastam poucos minutos para perceber que há muita cumplicidade entre os dois. Com a pequena Leonor nos braços, a segunda filha de ambos com apenas um mês, Susana lembra o dia em que tudo começou. «Conhecemo-nos numas férias de verão, numa tarde de praia em Vila Nova de Milfontes… Gostei do sentido de humor do João e, apesar das nossas diferenças, apaixonámo-nos. As personalidades idênticas ajudaram. Ambos somos muito objetivos e realistas», refere.

«Talvez seja por isso que conseguimos gerir tão bem as nossas diferenças e encontrar um equilíbrio no dia a dia, de forma a que ambos estejamos bem e façamos o que mais gostamos», sublinha ainda. Cristina Freire, terapeuta de casal, habituada a acompanhar vários casais na sua prática clínica, reconhece que «de facto, há casais que tomamos logo como improváveis e pouco duradouros e que nos surpreendem pela forma como contornaram a diferença ou aproveitam para suprir vazios ou necessidades pessoais que estão, muitas vezes, apenas presentes no seu inconsciente».

Hoje, casados há seis anos, Susana e João dizem ter conseguido encontrar o meio termo entre o que cada um mais gosta de fazer. «Optámos por comprar uma casa num meio rural, mas muito perto de Lisboa que nos permite estar na cidade, em menos de meia hora. Assim, a Susana vai à cidade sempre que quer e eu tenho a minha casa no campo, como sempre quis ter», diz João. No dia a dia, nenhum dos dois deixa de fazer o que mais gosta, só porque o outro tem outros interesses.

«Quando quero ir ao teatro, vou sozinha ou com as minhas amigas e quando o João quer ir caçar com os amigos, por exemplo, também vai. Acima de tudo, respeitamos o que cada um gosta de fazer e conciliamos muito bem esses momentos que passamos separados com a nossa rotina de casal. Temos os momentos para nós e temos os momentos para os nossos hobbies», desabafa.

Quando as personalidades opostas se atraem

Já Eduarda, 31 anos, psicóloga, e Ricardo, da mesma idade, publicitário, gostam de partilhar os mesmos hobbies. Ambos adoram futebol, embora sejam adeptos de clubes diferentes, gostam de ir a festivais de música, e no verão não passam um fim de semana sem ir à praia. No entanto, quem os conhece sabe que têm personalidades totalmente diferentes. Ele é introvertido e reservado, ela é extrovertida e impulsiva. Mas parece que, também neste casal, as diferenças não os impediram de ficarem juntos e felizes.

Prova disso, é que um ano depois de terem trocado o primeiro beijo, Ricardo pediu Eduarda em casamento. Em julho de 2014, a um mês do grande dia, a paixão que os une ainda se sente nos olhares que trocam, enquanto posam para o fotógrafo da Saber Viver. «Ao início não achava grande piada ao Ricardo, ele era tímido e muito reservado, pouco falava quando nos encontrávamos socialmente. Ainda hoje, não sei bem como ele me deu a volta, ainda estou para saber», diz em tom de brincadeira.

«De um momento para o outro, apercebi-me que estava mais envolvida, do que achava que estava», confessa. Hoje, têm a certeza que querem ficar juntos e, para eles, as diferenças de personalidade que têm só os tornam mais fortes como casal. «Eu sou reservado quando não me sinto em casa, não consigo fazer conversa de sala, já a Eduarda tem essa capacidade», refere Ricardo.

«Quando chegamos a um sítio onde não conhecemos praticamente ninguém, eu sei que tenho que ser o motor, mas entre amigos posso ficar descansada, porque é o Ricardo, habitualmente, o mais conversador», acrescenta ela. Ambos têm a mesma opinião quanto às diferenças que são claras. «Apesar de sermos o oposto, é um oposto que se complementa», asseguram os dois.

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A tensão positiva dos opostos

Alguns especialistas internacionais defendem que as diferenças que podem parecer problemáticas podem ser as mesmas que mantêm a chama acesa numa relação de longo prazo. Segundo Linda e Charlie Bloom, um casal de terapeutas norte-americanos, casados há 35 anos e autores de bestsellers, como «Secrets of Great Marriages: Real Truth from Real Couples about Lasting Love» (Paperback), acreditam que a atração é impulsionada por necessidades e desejos que estão por cumprir na nossa vida e que são, muitas vezes, encontrados nos opostos.

Além disso, Linda e Charlie enquadram-se no grupo de especialistas que defende que os opostos podem gerar uma tensão positiva que desperta a paixão que sustenta a relação no longo prazo. «Embora a segurança e o conforto sejam qualidades que caracterizam os relacionamentos de longa duração, sem um pouco de aventura, emoção e risco, a segurança transforma-se em tédio, a confiança em indiferença, a intimidade em claustrofobia e o conforto em estagnação», referem os terapeutas.

As afirmações são feitas num artigo intitulado «A verdadeira razão porque os opostos se atraem», publicado no site da revista norte-americana Psichology Today. Linda e Charlie Bloom defendem, ainda, que as diferenças que podem colocar alguns desafios aos casais podem ser, na verdade, a fonte de um dos mais importantes ingredientes de qualquer relação bem-sucedida, a química.

O poder do magnetismo humano

E se, por um lado, são as diferenças que geram a química do amor, por outro, também, instintivamente, tendemos a procurar um parceiro com genes diferentes dos nossos. Espantoso, não é? Um recente estudo, realizado pela Universidade do Paraná (Brasil), citado pelo jornal britânico The Guardian concluiu que somos mais atraídos por aquelas pessoas que têm os genes da imunidade diferentes dos nossos.

Os cientistas que lideraram a investigação concluíram que as pessoas com os genes da imunidade diferentes tendem a produzir filhos saudáveis, com sistemas imunológicos mais fortes. Um facto que pesa, embora de forma inconsciente, na hora de escolher um parceiro. E mais um processo que, tal como a química, também não conseguimos controlar.

A terapeuta Cristina Freire confirma que «o que sucede muito, e raramente nos damos conta, é que nos sentimos atraídos por alguém que pelo nosso faro de feromonas, nos parece o mais apto a dar-nos filhos fortes, saudáveis e inteligentes».

Um outro psicoterapeuta norte-americano, Ross Rosenberg, que também tem investigado os motivos que estão por detrás da atração dos opostos, fala-nos da Síndrome do Magnetismo Humano, uma força inconsciente que, de acordo com o especialista, une companheiros opostos, mas compatíveis juntos, capazes de manter um relacionamento duradouro e resistente à separação.

Segundo o psicoterapeuta, quer queiramos, quer não, todos nós temos uma bússola do amor que determina as nossas escolhas amorosas e que é activada sempre que estamos à procura de um parceiro romântico ideal. «Independentemente das nossas intenções conscientes, somos obrigados a seguir a direção para a qual somos levados. Temos a tendência de escolher pessoas que parecem dar-nos as qualidades que pensamos que estão em falta em nós», refere Ross Rosenberg, na revista norte-americana Psichology Today.

De acordo com o psicoterapeuta, os relacionamentos românticos que resultam desta força magnética são os mais fortes e sobreviverão ao teste do tempo porque aderiram a um instinto humano. Cristina Freire alerta, no entanto, que num casal o outro não deverá vir suprir necessidades e que só deverá vir complementar e acrescentar o que já conseguimos de bom.

Pois, segundo a especialista, «quando já fizemos este percurso, sabemos escolher alguém que também já fez esse caminho, o que possibilita o sucesso da relação».

Texto: Sofia Cardoso com Cristina Freire (terapeuta de casal)