Com mais de mil milhões de utilizadores a nível mundial, o Facebook é a forma mais rápida de pôr pessoas adultas em contacto direto. Os problemas surgem quando se quer quebrar o contacto, como acontece no fi nal de uma relação amorosa. Nessa altura, a rede global transforma-se em algo muito semelhante a um baile de aldeia onde é difícil não esbarrar no ex-companheiro a cada instante.

Durante as décadas de 1980 e 1990 terminar uma relação e não voltar a ver o ex-companheiro era simples. Bastava riscar o número de telefone da agenda, apagar o contacto do telemóvel e, se tudo corresse como previsto, o dia a dia do outro deixava de ser conhecido. Com o início do novo século, as redes sociais vieram complicar o afastamento depois da separação. Facebook, Twitter e Instagram ajudam a manter os laços e a continuar a saber a vida de quem se quer deixar para trás.

No Facebook, há quem opte por desamigar o ex mas com o cuidado de pedir a password a um amigo comum para continuar a deitar um olhinho à vida do outro e há quem escolha criteriosamente as publicações como forma de mostrar que está a dar a volta por cima. Um estudo publicado em 2012, pela Universidade de Western Ontario, no Canadá, pôs a nu que o Facebook pode ser uma fonte de stresse para quem terminou recentemente uma relação. Apesar de nem sempre ser assim.

Amizades que se mantêm

Os dados revelados em «It’s complicated: Romantic Breakups And Their Aftermath on Facebook», «É complicado: Separações românticas e o seu seguimento no Facebook» em tradução literal, vão mais longe. Dos 48% de participantes que tinha continuado amigos do ex-parceiro no Facebook, 88% admitia espiar o perfil do ex. Atitude partilhada por quem já não tinha o antigo companheiro na rede de amigos, com 70% dos inquiridos a visualizar a página do outro recorrendo ao perfil de amigos comuns.

Susana Jones, psicóloga, terapeuta familiar e presidente da associação Lavoisier é confrontada com situações como esta na sua prática clínica. «Hoje em dia existe uma grande dificuldade no compromisso e, por vezes, muitas das relações que terminam, na verdade ainda não acabaram. Ainda existe sentimento, mas a dificuldade de enfrentar as incompatibilidades e dificuldades da vida leva a rupturas prematuras», refere.

Nos dias que correm, essa situação é cada vez mais comum. «As redes sociais alimentam a presença da vida do outro, já que ambos podem sentir grande dificuldade em deixar de saber do ex», afirma a psicóloga. E, como os amigos de uns e de outros os continuam a identificar em fotografia que tanto um como outro podem ver, é difícil não resistir a dar uma espreitadela.

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Detetives virtuais

Esta é uma situação que não é estranha a Isabel, 37 anos, a viver em Faro. Na altura em que ela e o seu companheiro de longa data terminaram a relação, por iniciativa dele, um e outro eram ainda novatos nas andanças do Facebook e não estavam sequer na lista de amigos um do outro. Isso não a impediu de tentar, a todo custo, continuar a par do dia a dia do homem com que partilhara a vida durante cinco anos.

«Aprendi a dominar o Facebook tal era a vontade de saber o que se passava na vida dele», admite. Isabel entrava com a password de uma amiga comum e consultava a página do ex-companheiro de forma obsessiva. «Via a página dele todos os dias e várias vezes», assume. Na altura, o antigo companheiro parecia, a avaliar pela sua página de Facebook, estar a criar um novo círculo de amizades.

Entre os novos amigos encontravam-se várias mulheres, algumas das quais eram mais ativas na colocação de posts e comentários. Para Isabel, eram as comentadoras residentes e era entre elas que tentava adivinhar qual seria o novo interesse amoroso de Manuel. Na altura, as definições de privacidade do Facebook eram menores e Isabel via também as páginas destas mulheres e procurava imagens delas no Google.

Uma necessidade premente de saber tudo

Para Susana Jones este é um comportamento comum. «No caso de uma relação com alguma duração, estabilidade, afetos e história que termina, e se existe amor, é normal que numa fase inicial a pessoa tenha curiosidade em saber algo sobre o ex. Mesmo que retire a amizade, irá quase sempre perguntar ao amigo em comum para deixar ver como ele(a) está», afirma. É um comportamento partilhado por ambos sexos, sendo que as mulheres o fazem às claras e os homens mais secretamente.

Adiar o luto da relação é um dos riscos que corre quem insiste em espiar a vida do ex-companheiro. Um estudo feito pela Brunel University, em Londres, analisou os comportamentos virtuais de 464 utilizadores e a sua relação com as separações amorosas e comprovou que manter o contacto com o ex através das redes sociais dificulta o processo de cicatrização emocional. Isabel tinha consciência do problema, mas era-lhe impossível não continuar a seguir a par e passo a vida de Manuel.

«Visto à distância, era a minha forma de continuar a ter controlo sobre algo que era impossível controlar porque já não existia, uma vez que a relação tinha acabado», diz. Hoje, reconhece que foi um erro. «É péssimo, faz com que a recuperação seja mais demorada e que levemos mais tempo a seguir com a nossa vida. Mas tem de ser a pessoa a chegar a essa conclusão e a decidir que, a partir dali, vai parar esse comportamento», assegura.

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A nossa vida e de todos

Isabel e Manuel chegaram a fazer uma tentativa de reconciliação mas separaram-se definitivamente ao fim de alguns meses. Mais uma vez, ela voltou à carga. Com a agravante de que, pouco tempo depois, o ex-companheiro iniciou uma nova relação que assumiu publicamente na rede social, não se inibindo de demonstrar o seu estado de felicidade a todos os amigos. O facto magoou Isabel e irritou alguns amigos que acabaram por chamar Manuel à razão.

Este episódio é representativo de como o caráter público do Facebook pode, por vezes, causar mais stresse num processo de separação. Como sublinha a psicóloga Cláudia Morais no livro «O Amor e o Facebook», atualmente é possível aceder a informação importante de amigos e conhecidos antes de qualquer conversa presencial. Uma nova relação, uma separação, a gravidez ou a morte de um ente querido passaram a ser do domínio comum.

Na verdade, se alguém alterar as definições de estado civil de «numa relação com a pessoa X» para solteiro, a pessoa X fica automaticamente solteira. E, nem sempre, quem acabou de terminar uma relação quer comunicar imediatamente o facto aos amigos e família. De acordo com o estudo realizado no Canadá, a mudança da definição de estado foi encarada por alguns inquiridos como uma nova separação... «A situação não é muito diferente da dos antigos bailes de aldeia em que, depois da separação, ele e ela já não dançam juntos e ela já não usa aliança», diz.

Vencidos pelo ciúme

Nas redes sociais ficamos a saber, de forma mais rápida, o que se irá saber mais cedo ou mais tarde. «É como se todos fossemos um pouco figuras públicas e publicamos que já não usamos a aliança», afirma Susana Jones. Tiago, divorciado, na casa dos 40 e a viver no norte do país, conheceu Carla via Facebook, através de um amigo comum. «Falámos algumas vezes, acabámos por sair durante algum tempo, havia um certo envolvimento e passámos uma noite juntos», recorda.

«Não houve uma conversa que definisse a relação. Disfrutávamos só a companhia um do outro», assegura Tiago. Carla sentia as coisas de forma diferente, como ficou claro durante um período de ausência provocado por uma viagem laboral de Tiago, em que este ficou sem rede de telefone e internet. Quando voltou a ficar contactável, apercebeu-se que Carla tinha outras expectativas. «Recebi uma série de mensagens em que ela mostrava ciúmes», recorda.

«Acusava-me de estar com outra mulher e, ao mesmo tempo, temia que eu pudesse estar morto, num clima de perfeita paranoia», relembra. O nível de acusações passou rapidamente para que ele a tinha usado. Perante esta situação, Tiago afastou-se por sentir que a relação não tinha pernas para andar. Quando, mais tarde, adicionou uma amiga, com a qual não tinha outro tipo de envolvimento, à lista de amigos  da rede social, a reação de Carla foi violenta.

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O que sucede quando uma relação falha

Por casualidade, as duas tinham-se conhecido em tempos e Carla acreditou tratar-se do novo caso de Tiago. Contactou-o por e-mail avisando-o de que iria apresentar uma queixa-crime contra ele e enviou uma mensagem para várias mulheres da lista de amigos dele, alertando-as para o comportamento de Tiago, a quem acusava de ser um predador. Para Susana Jones esta é outra situação comum.

«Quando uma relação falha, quem ainda gosta e tinha esperança que o outro se envolvesse, fica com esperança. Procura pistas em todos os posts, músicas e fotos», refere. Para a terapeuta, este é um processo extremamente doloroso que pode chegar a ser delirante em pessoas mais frágeis, que criam situações fantasiosas a partir das pistas que acreditam ver. O peso das redes sociais e da vida online acabam por criar equívocos entre o que é real e o que não é.

No Facebook, por entre fotos escolhidas com critério e mais ou menos retocadas, é difícil encontrar alguém feio ou desinteressante, o que pode revelar-se enganador. «Queremos preencher-nos e mostrá-lo aos outros, postando no Facebook tudo o que importa. E muitas das vezes isso não é real. Surge então uma enorme ambiguidade entre o ser e o parecer, o que pode levar a transtornos de ansiedade, depressão e por aí fora», admite Susana Jones.

Virtual versus real

A psicóloga lembra casos em que a pessoa não consegue deixar de viver o que se passa nas redes sociais, focando-se apenas no mundo virtual. No entanto, o problema não está no Facebook. Como afirma Susana Jones, «as redes sociais são um espaço social que pode trazer valor, só não traz quando vamos procurar lá o que não existe dentro de nós ou na nossa vida real», defende.

Fatores de stresse:

- O perfil do ex-companheiro

- A alteração da definição do estado civil

- As publicações partilhadas

Comportamentos mais comuns:

- Espiar o perfil do ex-companheiro

- Visualizar o perfil das novas relações amorosas do ex

- Reler e sobreanalisar antigas mensagens e publicações

- Ser questionado sobre a alteração do estado

- Apagar fotos antigas com o ex-companheiro

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Manual de sobrevivência para recém separados

O Facebook pode ter sido muito útil durante uma relação mas, quando esta termina, é altura de entrar em período sabático nas redes sociais e lidar com a perda à moda antiga. Estes são alguns comportamentos a adotar de imediato:

- Abstenha-se totalmente das redes sociais durante algum tempo. Quando regressar vai perceber que não perdeu nada de novo.

- Inicie o luto da relação.

- Pense no que correu mal e no que deve mudar numa próxima relação.

- Seja egoísta. Pense no que é melhor para si.

- Procure o ombro dos amigos do mundo real. Eles estão lá para o apoiar.

Texto: Susana Torrão