O alcoolismo pode igualar-se a um conjunto de doenças (ex. doenças cancerígenas, diabetes) que são herdadas na família.

Ao contrário destas doenças que referi, infelizmente não é sobejamente conhecido e investigado (prevenção, tratamento e recuperação) em Portugal pelas entidades competentes e profissionais.

Há muitas gerações, que se perdem no tempo, que pertencemos a uma “cultura que bebe”, que reforça e promove o consumo de bebidas alcoólicas, em alguns casos, até o abuso do álcool é considerado normal, corajoso, destemido, engraçado e divertido.

Também não é novidade que o álcool é um óptimo “lubrificante” nas relações entre pessoas e é também associado a uma “fonte” de lazer e bem-estar.

Se no inicio de um acto social nos sentimos desconfortáveis ou constrangidos, após ingerirmos uns “copos” , passados uns minutos,  já nos sentimos aliviados, desinibidos e “confiantes.”- “Muleta extra” utilizada para “quebrar o gelo”.

Por isso, muito cedo (em alguns casos durante a adolescência) aprendemos estes comportamentos que raramente desaprendemos. Podemos recorrer à “muleta” sempre que quisermos, porque sabemos perfeitamente que “não nos vai deixar mal.”

Reconheço vários aspectos benéficos no consumo de bebidas alcoólicas na nossa sociedade. É obvio que o álcool consumido de forma consciente e saudável não representa perigo para ninguém.

Várias vezes refiro que o álcool não é o problema nº 1, mas as pessoas (aquelas que não estão informadas, aquelas que o consomem abusivamente e aquelas que o vendem abusivamente).

Não sou “fundamentalista”, mas um cidadão (e pai) e um profissional atento aos problemas relacionados entre as pessoas (sociedade) e o álcool. Todavia gostaria de me “debruçar” sobre os efeitos do alcoolismo na família, ao longo de gerações, e expor questões que, na minha opinião, continuam ignoradas e negligenciadas, o que é grave (CRISE negligenciada).

Não é nada que não se saiba, mas que raramente se investiga e discute até ao surgimento de notícias trágicas e comoventes – ex. casos extremos de violência doméstica associados ao alcoolismo e casos de negligência e/ou abuso (físico, sexual e emocional) de crianças associados ao alcoolismo.

Continua

No início do século XX, o alcoolismo era associado a indivíduos sem carácter, sem força de vontade ou marginais. Obviamente, este conceito (estigma) influenciou, e ainda influência apesar de cada vez menos, negativamente quer o tratamento dos alcoólicos, quer o apoio às famílias expostas ao trauma, incluindo as crianças.

Este fenómeno quase tem passado despercebido. É uma herança antiga, aceite com resignação e impotência, que é herdada do tempo dos nossos bisavôs e antes deles mesmo.

Mais recentemente, através de estudos, já se identificou um tipo de vulnerabilidade biológica (herança genética e hereditária) - predisposição familiar para o aparecimento sucessivo do alcoolismo ao longo de gerações, quer seja nos indivíduos que apresentam comportamentos de abuso ou alcoolismo, como também surge um padrão específico (síndrome) nos seus familiares, que não apresentam sinais de alcoolismo, mas que desenvolvem comportamentos disfuncionais repetitivos e destrutivos ao longo da sua vida.

Na maioria destas famílias, são os indivíduos do sexo feminino (mães ou esposas), incluindo obviamente as crianças, que são afectadas por estas situações traumáticas.

Nas crianças, apesar dos factores associados ao “mau exemplo parental” e à imitação, é de salientar a dimensão do impacto e do trauma causados pela exposição prolongada a uma família disfuncional.

Isto levou a que se diagnosticasse perturbação relacionadas com stress traumático (hipervigilancia, isolamento, pensamentos obsessivos sobre a familia – reexperimentar o trauma que afecta tem repercussões na aprendizagem social.

O trauma associado ao abuso do álcool e alcoolismo pode perpetuar-se incólume e afectar o desenvolvimento e aprendizagem social destas crianças. Um dia elas serão adultos, com “cicatrizes”, se o processo destrutivo não for identificado e detido.

Cada caso é um caso

João Rodrigues
Técnico de aconselhamento de comportamentos aditivos.
Formação em Inglaterra (Farm Place e Broadway Lodge)
e nos EUA (Hazelden Foundation).
Consultas directas: Tmv 91 488 5546

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